Artigo da Rede Genômica Fiocruz recém-publicado investiga como o genótipo “Cosmopolita” do vírus da dengue sorotipo 2 se estabeleceu no Brasil desde sua introdução no país

A diversidade genética e sorológica — ou seja, o agrupamento de variantes genéticas em sorotipos, que resultam em uma resposta de anticorpos diferente entre cada tipo — do vírus da dengue permite até o momento a classificação do vírus em quatro principais sorotipos. Dentro de cada um destes sorotipos, existem ainda subdivisões em genótipos diferentes, que consistem em grupos de linhagens virais com genética similar, que podem ter sua circulação acompanhada por iniciativas de vigilância genômica para entender como circulam em diferentes países e regiões geográficas.

O artigo ao qual este resumo se refere é fruto da vigilância genômica do vírus da dengue por pesquisadores da Rede Genômica Fiocruz junto a outros grupos de pesquisa e Laboratórios de Vigilância de seis estados brasileiros (AM, PE, SP, PR, SC e RS), e foca-se na circulação do genótipo Cosmopolita do Sorotipo 2 do vírus da dengue (DENV-2-GII). Os primeiros registros de introdução do DENV-2-GII no Brasil datam de 2021, e o artigo analisou o genoma de 217 de DENV-2 de diversos genótipos, coletadas entre 2021 e 2023, permitindo uma análise da história evolutiva deste e de outros genótipos em território brasileiro. Esta análise sugere que o DENV-2-GII foi introduzido quatro vezes no Brasil, entre maio de 2020 e agosto de 2022.

Apesar da circulação do DENV-2-GII ter sido considerável no período em questão, o artigo comenta que o cenário epidêmico da dengue em 2022 foi dominado pelo sorotipo DENV-1, atribuindo essa menor circulação efetiva do DENV-2-GII a um provável efeito de proteção associado à circulação do DENV-2-GIII, pertencente ao mesmo sorotipo, nos anos anteriores. Achados como este evidenciam o quanto uma vigilância genômica forte para arbovírus como a dengue é importante para compreender as dinâmicas de circulação de sorotipos recém introduzidos destes vírus, e como a imunidade da população influencia e é influenciada por estas dinâmicas.

Graf, T., Ferreira, C. D. N., de Lima, G. B., de Lima, R. E., Machado, L. C., Campos, T. D. L., … & Naveca, F. (2023).  Multiple introductions and country-wide spread of DENV-2 genotype II (Cosmopolitan) in Brazil, Virus Evolution, Volume 9, Issue 2, 2023, vead059.

Pesquisadores da Fiocruz associados à Rede Genômica e à REMONAR do MCTI avaliam a persistência da bactéria Elizabethkingia anophelis multirresistente em efluentes industriais

Dentre as muitas bactérias causadoras de infecções oportunistas — que acometem pessoas em situação de fragilidade do sistema imune, como as recém-nascidas, idosas e imunossuprimidas — algumas espécies de importância clínica resistentes a antibióticos são ao mesmo tempo relevantes e pouco conhecidas. Por exemplo, as bactérias do gênero Elizabethkingia são importantes patógenos causadores de infecções hospitalares, mas ainda não se compreende muito a respeito da via de contágio destas bactérias. Isto porque algumas das espécies, como o foco desta publicação, Elizabethkingia anophelis, vivem em mutualismo com mosquitos do gênero Anophelis, que também são um dos principais vetores da malária. A bactéria vive no intestino dos insetos, o que diminui a probabilidade de que esta seja transmitida pelas picadas. Porém, a Elizabethkingia anophelis também é capaz de viver em vida livre, e já foi isolada de amostras ambientais, o que também foi identificado no artigo ao qual este resumo se refere. Este é o primeiro estudo que relata a persistência de E. anophelis multirresistente ao longo do tratamento de efluentes industriais.

O grupo de pesquisadores responsáveis pelo estudo, associados à Rede Genômica Fiocruz, ao Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS) e à Rede de Monitoramento da COVID-19 em Águas Residuais (REMONAR) do MCTI, detectou esta bactéria em amostras de uma Estação de Tratamento de Efluentes Industriais. As amostras positivas para E. anophelis foram detectadas em mais de uma etapa do tratamento dos efluentes (influente, aeração, decantação, e mesmo no efluente tratado), e foram confirmadas como pertencentes a esta espécie pelo sequenciamento e análise do genoma.

O sequenciamento também permitiu a identificação de genes de resistência para diversas classes de drogas antibacterianas: beta-lactâmicos, aminoglicosídeos e tetraciclinas. Adicionalmente, utilizando uma abordagem de classificação filogenética (uma medida da proximidade genética e evolutiva de organismos) o time de cientistas conseguiu classificar as amostras dentro de um grupo de linhagens (denominado um “tipo”) chamado rST 65620, ao qual também pertencem linhagens de E. anophelis isoladas de pacientes. A combinação dos resultados, com o achado desta bactéria potencialmente patogênica e multirresistente a antibióticos e o fato de que os métodos da Estação de Tratamento não foram capazes de eliminá-la do efluente tratado antes da liberação em corpos d’água é extremamente preocupante, e deve ser uma prioridade para revisão dos métodos adotados, de forma a permitir uma adoção efetiva da perspectiva de Saúde Única.

Nascimento, A. P. A., de Farias, B. O., Gonçalves-Brito, A. S., Magaldi, M., Flores, C., Quidorne, C. S., … & Clementino, M. M. (2023). Phylogenomics analysis of multidrug-resistant Elizabethkingia anophelis in industrial wastewater treatment plant. Journal of Applied Microbiology134(9), lxad215.

Artigo com colaboração da Rede Genômica aborda o cenário de reinfecções pelo SARS-CoV-2 no Brasil entre 2020 e 2022

A manutenção de práticas de vigilância genômica e epidemiológica por longos períodos de tempo, monitorando eventos como a pandemia da COVID-19, é importante para se acompanhar uma série de questões relevantes para o público e para os sistemas de saúde. Por exemplo, ao rastrear casos ao longo do tempo, é possível comparar diferentes variantes do vírus no que diz respeito a seu espalhamento, à capacidade de causar reinfecções, e as regiões em maior risco de transmissão comunitária de cada variante. Esta vigilância continuada também fornece indícios para entender o efeito protetivo da vacinação, da imunidade por infecção prévia e da imunidade híbrida — que resulta da combinação entre passar por uma infecção ativa e também receber o imunizante — frente a estas variantes, já que diferentes Variantes de Preocupação (VOCs) têm potenciais diferentes de escapar da resposta imune e causar reinfecções.

Um artigo publicado por um time de pesquisa que inclui membros da Rede Genômica Fiocruz acompanhou um total de 684 pessoas, consistindo em pacientes com casos confirmados de SARS-CoV-2 e seus familiares, com coletas trimestrais de swabs de orofaringe entre abril de 2020 e junho de 2022, na tentativa de entender questões como as descritas acima e obter respostas sobre a dinâmica de vacinação e infecções por VOCs na cidade do Rio de Janeiro. De 99 eventos de reinfecção investigados, 71 tiveram o sequenciamento e identificação das duas amostras (da primeira e da segunda infecções).

A análise destes casos permitiu comparar o cenário antes da emergência da Ômicron com o que ocorreu depois do surgimento e chegada desta VOC. As linhagens que circularam antes da emergência da Ômicron, por seu número menor de mutações no sítio de ligação aos receptores da proteína Spike, tiveram uma menor taxa de reinfecção, mesmo em relação a pessoas que haviam recebido apenas uma dose da vacina. Em contraste a isso, linhagens da VOC Ômicron, como a BA.1, BA.2, BA.4 e BA.5, foram capazes de causar reinfecções mesmo em pessoas que haviam tomado uma dose de reforço, para além do esquema vacinal completo. A maioria destes eventos de reinfecção foram assintomáticos (equivalente a 29 em cada 100 casos) ou com sintomas muito leves (equivalente a 67 em cada 100 casos), o que indica que a proteção fornecida pelas vacinas foi eficaz na prevenção de casos graves e óbitos. O estudo traz evidências iniciais consistentes com outras pesquisas, que indicam que a BA.2 é capaz de escapar mesmo dos anticorpos gerados contra a BA.1. Esse achado faz sentido, porque, apesar de serem linhagens geneticamente próximas, a estrutura da proteína Spike da BA.2 tem uma série de diferenças em relação à estrutura da Spike da BA.1.

Os achados deste estudo reforçam a importância da atualização de esquemas vacinais (por exemplo, contendo linhagens novas como a Ômicron BA.2) para garantir proteção contra uma ampla diversidade de variantes e suas diferentes proteínas S, além da importância da vigilância genômica continuada, de forma a identificar de maneira ágil a emergência de outras variantes com alto potencial de escape imunológico.

Penetra, S. L., Santos, H. F., Cristina Resende, P., Soares Bastos, L., da Silva, M. F., Pina-Costa, A., … & Brasil, P. (2023). SARS-CoV-2 reinfection cases in a household-based prospective cohort in Rio de Janeiro. The Journal of Infectious Diseases, jiad336.

Publicado no periódico The Lancet, um dos maiores do mundo, um artigo de comentário sobre a vigilância global de arboviroses

Conhecidas pela humanidade há séculos, as arboviroses, causadas por vírus denominados arbovírus (do inglês, arthropod-borne viruses, ou doenças transmitidas por artrópodes) vêm sendo cada vez mais reconhecidas globalmente pela comunidade científica e pelas autoridades de saúde como uma questão de grande importância para a saúde coletiva. Essa importância não é restrita a territórios na região tropical, onde as arboviroses circulam com maior expressividade: com as evidências de mudanças na distribuição de insetos vetores como os mosquitos Aedes aegypti e Aedes albopictus relacionadas às mudanças climáticas — com a capacidade de populações de mosquito de se estabelecerem em áreas mais altas e fora da região intertropical — o monitoramento destas doenças historicamente negligenciadas ganha destaque global cada vez maior. E mesmo em países onde os insetos já ocorriam, verões mais quentes e mais longos têm levado a temporadas mais longas de transmissão de doenças como a Dengue, Zika, Chikungunya e febre amarela, além de aumento no número de casos em locais que registravam apenas casos eventuais.

Um artigo de comentário, publicado no periódico The Lancet e assinado por um pesquisador do Instituto Aggeu Magalhães e membro da Rede Genômica Fiocruz comenta este cenário, trazendo um resumo de ações já propostas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e projetos já em curso idealizados por outros órgãos. O artigo comenta que, frente à grande expansão da capacidade de sequenciamento de genomas virais que ocorreu em resposta à crise do coronavírus pandêmico SARS-CoV-2, a OMS tem promovido uma série de ações, incluindo a Iniciativa Global de Arbovírus lançada em 2022. A ideia é que a estrutura de redes de sequenciamento, análise e compartilhamento de dados sobre genomas existente após a recente pandemia seja aproveitada para uma vigilância tão contundente quanto, focada em arboviroses. Esta é uma forma de monitorar tendências na evolução destes vírus, e detectar precocemente o surgimento de linhagens dotadas de maior potencial para causar epidemias em maior escala. A publicação também comenta a criação de uma base de dados específica para arbovírus no GISAID, a EpiArbo, parte das ações globais de colaboração de pesquisa e enfrentamento ao risco apresentado por este grupo de patógenos. A base de dados EpiArbo foi construída em parceria com a Rede Genômica Fiocruz, e permitirá o compartilhamento de dados genômicos de vírus como Dengue e Chikungunya com agilidade e segurança.

As estimativas epidemiológicas sugerem que metade da população mundial está em risco para infecções pelo vírus da Dengue, com o número anual de casos estimado entre 100 e 400 milhões, levando a aproximadamente 20 mil mortes. A expansão da área de ocorrência dos mosquitos pode aumentar estes números, com modelos que estimam um acréscimo de mais 100 milhões de pessoas em risco pelos próximos cinquenta anos.

Wallau, G. (2023). Arbovirus researchers unite: expanding genomic surveillance for an urgent global need. The Lancet, Published Online.

Membros da Rede Genômica Fiocruz publicam investigação de genes de resistência a antibióticos em efluentes urbanos

Genes de resistência a antibióticos são um crescente problema para a saúde coletiva. Isto por se tratarem de mecanismos que algumas espécies de bactérias causadoras de doenças apresentam, e que permitem sua sobrevivência a tratamentos com um ou mais antibacterianos de uso médico. Sabendo que algumas destas bactérias transmitem entre si genes importantes para sua adaptação e sobrevivência, o monitoramento da circulação destes genes no ambiente é importante para desenvolver estratégias para diminuir o espalhamento destes genes no ambiente — em especial no que diz respeito à circulação de genes de resistência em ambientes de alto risco à saúde, como hospitais, creches, escolas e casas de repouso.

Contribuindo para o conhecimento acerca desta problemática no Brasil, um grupo de pesquisadores, vinculados à Rede Genômica Fiocruz, publicaram um artigo no qual relatam os resultados de uma busca por genes de resistência em bactérias do gênero Enterococcus, em especial a espécie Enterococcus faecium em amostras de cinco estações de tratamento de efluentes localizadas na cidade do Rio de Janeiro e em Brasília. Os pesquisadores coletaram amostras de efluente tratado e algumas de esgoto bruto, e cultivaram um concentrado de cada amostra em meio de cultura com adição do antibiótico vancomicina, de maneira a buscar Enterococcus resistentes a este antimicrobiano, resistência esta que pode ou não ocorrer junto a genes que protegem as bactérias da ação de outros medicamentos. As bactérias do gênero Enterococcus são parte da microbiota adaptada ao intestino de seres humanos e outros animais, mas também podem causar infecções, tanto intestinais quanto urinárias em indivíduos saudáveis, além de infecções hospitalares em pacientes de risco por baixa imunidade.

Após isolar 8 amostras diferentes de Enterococcus faecium resistentes à vancomicina, a equipe de pesquisa realizou o sequenciamento do genoma completo das bactérias para identificar genes de resistência, e também entender se estes genes estavam ou não associados a estruturas dos chamados elementos genéticos móveis, como os chamados plasmídeos e os transposons conjugativos. Estes elementos são importantes por serem um dos principais mecanismos de transferência de genes entre linhagens distintas de bactérias, um fenômeno bastante comum entre as bactérias do gênero Enterococcus.

A análise dos genomas completos revelou que todas as oito linhagens resistentes à vancomicina tinham também genes de resistência a outros antibióticos, o que é particularmente alarmante ao se levar em conta que cinco destas linhagens foram isoladas a partir de efluentes tratados. É também importante notar que sete dos oito isolados tinham também genes que sugerem a capacidade de causarem doenças em seres humanos, ou seja, além de terem genes de resistência e a capacidade de transmiti-los a linhagens não-resistentes, estas amostras liberadas em corpos d’água após tratamento são também patógenos em potencial, com seis destas pertencendo a uma linhagem que já causou surtos hospitalares no passado, a CC17. Isto significa que há necessidade de revisar os métodos de tratamento de efluentes adotados no Brasil, para impedir que esta seja uma das vias que mantêm a circulação não apenas de múltiplos genes de resistência a antibióticos no ambiente, mas também de bactérias com potencial para causar infecções de difícil tratamento.

Farias, B. O. D., Bianco, K., Nascimento, A. P. A., Gonçalves de Brito, A. S., Moreira, T. C., & Clementino, M. M. (2022). Genomic analysis of multidrug-resistant Enterococcus faecium harboring vanA gene from Wastewater Treatment plants. Microbial Drug Resistance, 28(4), 444-452.

DOI: https://doi.org/10.1089/mdr.2021.0254

Pesquisadores do INCQS, membros da Rede Genômica e a REMONAR do MCTI publicação estudo que traz dados sobre o SARS-CoV-2 em águas residuais no Rio de Janeiro

A abordagem de epidemiologia de águas residuais ou epidemiologia de esgoto é uma forma de realizar vigilância de patógenos que permite identificar a circulação ambiental de agentes causadores de doenças em uma escala ampla. Isto significa que, ao analisar amostras de resíduos (brutos e/ou tratados), pode-se detectar, por exemplo, a circulação de uma variante viral nos trechos de uma cidade atendidos por uma determinada estação de tratamento, e também entender se o tratamento de efluentes tem sido eficaz na retirada destes patógenos dos efluentes antes de seu despejo de volta em corpos d’água.

O artigo aqui resumido é mais uma iniciativa de utilização desta abordagem para a vigilância do coronavírus SARS-CoV-2 empreendida pela Fiocruz — através da Rede Genômica Fiocruz, do Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde — em colaboração com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação — através da Rede de Monitoramento de COVID-19 em Águas Residuais.

No artigo, duas Estações de Tratamento de Efluentes localizadas na cidade do Rio de Janeiro tiveram amostras coletadas entre Janeiro e Dezembro de 2021 para identificação do vírus através de métodos moleculares (RT-qPCR), e aquelas que testaram positivo foram sequenciadas para possibilitar a identificação de variantes.

Os pesquisadores encontraram o vírus apenas em uma das duas estações de tratamento, onde identificaram as variantes Mu, Delta, Gama e Ômicron. A detecção de amostras da variante Mu (B.1.621) contendo mutações características, como as substituições de aminoácidos na estrutura da Proteína S E484K e N501Y, no que é provavelmente a primeira detecção de uma sublinhagem da Mu com estas características em amostras brasileiras. Trabalhos como este reforçam a importância da epidemiologia baseada em águas residuais como uma ferramenta para compreender melhor os padrões de dispersão do vírus e vigiar sua circulação em território brasileiro.

Gonçalves-Brito, A. S., Magaldi, M., Farias, B. O., Nascimento, A. P. A., Flores, C., Montenegro, K. S., … & Clementino, M. M. (2023). Environmental genomic surveillance of SARS-CoV-2 in wastewater in Rio de Janeiro, Brazil. Journal of Water and Health, 21(5), 653-662.

DOI: https://doi.org/10.2166/wh.2023.034

Pesquisadores afiliados à Rede Genômica investigam a presença de bactérias multirresistentes da espécie Klebsiella pneumoniae em estações de tratamento de efluentes

Dentre as bactérias intestinais da família das Enterobactérias, a espécie Klebsiella pneumoniae tem sido uma preocupação de saúde coletiva devido à sua capacidade de causar as chamadas infecções nosocomiais. Este tipo de infecção ocorre em ambientes de cuidado com pacientes de maior risco, como em hospitais, creches e casas de repouso, e são um problema por se concentrarem em populações com sistemas imunológicos imaturos ou debilitados, e por muitas vezes serem causados por linhagens bacterianas resistentes a antimicrobianos.

No caso da Klebsiella pneumoniae, linhagens resistentes a antibióticos da classe dos carbapenêmicos — que são antibióticos de amplo espectro, normalmente eficazes contra uma ampla diversidade de gêneros de bactérias — têm sido alvo de vigilância e da reformulação de políticas de contenção de risco, por causarem um número crescente de surtos de infecções nosocomiais. O artigo aqui resumido, publicado por cientistas da Rede Genômica Fiocruz de grupos do Instituto Oswaldo Cruz, Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde, Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca e a Rede de Monitoramento de COVID-19 em Águas Residuais do MCTI, trata da relevância de sistemas de tratamento de efluentes para a disseminação de linhagens de Klebsiella pneumoniae resistentes a carbapenêmicos (CRKP) e de seus genes de resistência, uma vez que a literatura científica já tem demonstrado a falha de sistemas de tratamento em eliminar estas bactérias antes da liberação dos efluentes tratados em corpos d’água.

Para entender o quanto esta questão é relevante no contexto brasileiro, permitindo a circulação ambiental destas bactérias de potencial risco à saúde pública, a equipe de pesquisa avaliou amostras de três estações de tratamento de águas residuais, que lidam com efluentes domésticos, industriais e mistos. Utilizando métodos baseados na identificação de perfis de proteínas para detectar a presença específica de Klebsiella pneumoniae, os pesquisadores testaram a susceptibilidade dos isolados a uma série de antibióticos, além de realizar a extração, análise e sequenciamento de alguns trechos de DNA que continham genes de resistência conhecidos. Por fim, através de uma técnica baseada na comparação de “tipagens” de sequências múltiplas de DNA, as equipes conseguiram caracterizar filogeneticamente as linhagens, para entender as relações de parentesco entre as bactérias e, a partir disto, compreender as dinâmicas do espalhamento dos genes de resistência nas regiões atendidas pelas estações de tratamento.

O estudo permitiu constatar que 39% (7 do total de 18) dos isolados eram resistentes a múltiplos antimicrobianos, enquanto 61,1% (11 dos 18) eram extensivamente resistentes — o que, segundo os critérios adotados no estudo, equivale a dizer que estas linhagens eram resistentes a todos os antibióticos testados exceto por uma ou duas classes — e mais de 83% (15 dos 18) tinham a enzima carbapenemase, capaz de inativar antibióticos da classe dos carbapenêmicos. Com as análises genéticas e filogenéticas, foi possível caracterizar três genes diferentes para carbapenemases, e classificar as amostras em 5 grupos de acordo com a tipagem de sequências. Alguns destes grupos já haviam sido identificados antes, tanto no contexto de surtos de infecções nosocomiais quanto em amostras ambientais.

O artigo mostra a importância de renovar os métodos e tecnologias utilizadas no tratamento de efluentes para reduzir a circulação de bactérias como a K. pneumoniae no ambiente, assim como dos genes de resistência que algumas linhagens deste microrganismo carregam.

Montenegro, K., Flores, C., Nascimento, A. P. A., Farias, B. O., Brito, A. S. G., Magaldi, M., … & Barrocas, P. (2023). Occurrence of Klebsiella pneumoniae ST244 and ST11 extensively drug-resistant producing KPC, NDM, OXA-370 in wastewater, Brazil. Journal of Applied Microbiology, 134(7), lxad130.

DOI: https://doi.org/10.1093/jambio/lxad130

Colaboração entre a Rede Genômica Fiocruz e a UFF leva à descrição de uma linhagem de Enterococcus faecalis ST21 multirresistente em amostras de Estação de Tratamento de Efluentes

Estações de tratamento de efluentes (ETEs) são um importante foco para a vigilância e monitoramento de bactérias e de genes de resistência a antibióticos. Isto porque, por uma perspectiva de Saúde Única — que considera as atividades humanas e seus impactos ambientais ao avaliar questões de saúde coletiva — o fato de ETEs muitas vezes processarem efluentes de múltiplas fontes (incluindo industrial, hospitalar e doméstico) favorece que linhagens de bactérias sensíveis a antimicrobianos entrem em contato tanto com resíduos destas moléculas quanto com outras linhagens bacterianas que possuem genes de resistência, o que permite a transferência destes genes e a consequente disseminação da resistência aos antimicrobianos. Caso os métodos adotados para descontaminação e tratamento destes efluentes não consigam remover efetivamente as bactérias, o despejo do efluente tratado em corpos d’água finaliza o ciclo, permitindo a circulação ambiental destas linhagens, que podem ser responsáveis por infecções nosocomiais de difícil manejo.

O artigo ao que este resumo se refere descreve pela primeira vez no Brasil a descoberta de Enterococcus faecalis pertencentes ao ST21 — resultado da tipagem de linhagens com base na análise de pequenas sequências do código genético — resistente a múltiplos antibióticos. A amostra em questão, depositada na Coleção de Culturas de Vigilância em Saúde Única do INCQS e denominada CCVSU 6805, foi isolada a partir de amostras de uma ETE doméstica em Brasília. Os pesquisadores responsáveis pelo estudo, vinculados à Rede Genômica Fiocruz, ao INCQS e à Rede de Monitoramento de COVID-19 em Águas Residuais do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação em colaboração com a Universidade Federal Fluminense, verificaram a resistência do E. faecalis CCVSU 6805 à vancomicina, resultado a partir do qual realizaram o sequenciamento completo e análise do genoma. Foram descobertos múltiplos genes de resistência, assim como alguns marcadores genéticos associados à capacidade de causar doenças — os chamados genes de virulência.

Desta forma, o presente estudo descreve a descoberta de uma linhagem bacteriana circulando no ambiente com características muito preocupantes, especialmente levando em conta que a descoberta se deu em um sistema de tratamento de efluentes, que não foi capaz de removê-la no processo de tratamento e está ativamente liberando este patógeno potencial em corpos d’água.

Farias, B. O., Montenegro, K. S., Nascimento, A. P. A., Magaldi, M., Gonçalves-Brito, A. S., Flores, C., … & Clementino, M. M. (2023). First Report of a Wastewater Treatment-Adapted Enterococcus faecalis ST21 Harboring vanA Gene in Brazil. Current Microbiology, 80(9), 313.

Pesquisa de membros da Rede Genômica Fiocruz avalia a presença de poluentes, incluindo antibióticos e genes de resistência na água do Rio de Janeiro

Antibióticos são contaminantes ambiental particularmente preocupante no mundo atual, especialmente em corpos d’água e reservatórios que abastecem a população. Isto porque muitos dos efluentes de atividades humanas — sejam de casas, hospitais, indústria farmacêutica ou da pecuária e aquicultura — são fontes destas moléculas, mantendo-as circulando no ambiente, ainda que em pequenas concentrações. Esta exposição continuada a antimicrobianos cria um cenário em que bactérias que carregam genes de resistência em seus genomas sejam selecionadas evolutivamente, um problema ainda maior quando se leva em conta que a evolução bacteriana é marcada por mecanismos de transferência horizontal de genes, o que equivale a dizer que bactérias “trocam” pedaços de seus genomas, podendo algumas linhagens sensíveis a um antibiótico receber genes que codificam mecanismos de resistência.

O trabalho de pesquisa aqui resumido, publicado na Scientific Reports do grupo Nature, avaliou a contaminação por antibióticos e metais, além da presença de genes de resistência a antibióticos nas duas principais bacias hidrográficas do Rio de Janeiro e região (Guandu e São João), assim como em água da torneira no município do Rio de Janeiro, para entender o quão eficazes estão sendo os protocolos de tratamento de efluentes adotados e o quanto estes efluentes contribuem para o problema de saúde pública que é a disseminação de mecanismos de resistência em populações bacterianas.

Após a coleta e a caracterização dos antibióticos mais comuns nas amostras de água — que identificou a presença de concentrações relevantes de claritromicina, sulfametoxazol e azitromicina — a equipe de pesquisa realizou uma caracterização das comunidades de bactérias presentes na água, através da abordagem de metagenômica, que envolve o sequenciamento do material genético presente na amostra ambiental sem alvos específicos, justamente para descobrir a composição de uma amostra desconhecida. Esta busca permitiu identificar a prevalência do filo Proteobacteria, nas bacias hidrográficas, assim como de genes de resistência a antibióticos tanto na bacia do Guandu (4881 genes), quanto na bacia do São João (3705 genes) e na água da rede de abastecimento do município (3385 genes).

A detecção de vários tipos de genes de resistência é preocupante, especialmente por terem sido encontrados tanto nas bacias hidrográficas quanto na água utilizada em casas e em ambientes hospitalares. Foram detectados em águas, das três origens, genes codificando para resistência a antibióticos da classe dos beta-lactâmicos, bem como a colistina, com alguns dos genes de resistência a este último antibiótico sendo detectados pela primeira vez no Brasil. O artigo reforça a importância de revisar os protocolos adotados para descontaminação de efluentes, de modo a mitigar o problema do espalhamento de genes de resistência a antimicrobianos no ambiente — com grande potencial de agravamento de crises sanitárias como surtos hospitalares de bactérias resistentes aos tratamentos disponíveis.

Bianco, K., de Farias, B. O., Gonçalves-Brito, A. S., Alves do Nascimento, A. P., Magaldi, M., Montenegro, K., … & Clementino, M. M. (2022). Mobile resistome of microbial communities and antimicrobial residues from drinking water supply systems in Rio de Janeiro, Brazil. Scientific Reports, 12(1), 19050.

Publicação de pesquisadores da Rede Genômica alerta para potencial risco de uma nova linhagem do Dengue Vírus 3 Sorotipo III no Brasil

A história de vírus transmitidos por mosquitos e sua coexistência com a espécie humana é longa, remontando a tempos remotos. Ao longo das latitudes tropicais, vírus como o da Dengue causam problemas de saúde pública em diversos países, seja pela ampla distribuição geográfica de seus insetos vetores, seja pela adaptação a novas espécies de mosquito. Mais recentemente, têm-se estudado e compreendido melhor os fluxos de introdução de novas linhagens ao longo desta faixa latitudinal, o que é importante para monitorar a circulação e traçar estratégias para o controle de linhagens associadas a um maior risco de surtos locais. Por exemplo, a reintrodução em uma área de uma linhagem viral que não circula localmente por mais de uma década pode trazer um aumento no número e na gravidade de casos, devido à ausência de uma memória imunológica na população residente.

O artigo aqui resumido, resultado da revisão por pares e editoração de um pre-print também resumido em nosso site, alerta para um possível cenário similar no Brasil, a partir do isolamento de amostras pertencentes a uma nova linhagem viral do vírus Dengue 3, sorotipo III, que não circula expressivamente no país desde a década de 2000. A publicação é fruto da cooperação entre várias unidades da Fiocruz, incluindo equipes vinculadas à Rede Genômica, LACEN-RR, LACEN-PR, IEC, FMT-HVD, UFES, Bernhard Nocht Institute for Tropical Medicine, US/CDC, e o Florida Department of Health. Partindo de três amostras isoladas em Roraima e uma quarta introduzida no Paraná, a equipe por trás da pesquisa  conseguiu sequenciar e analisar o genoma, constatando se tratar de uma linhagem filogeneticamente compatível com as que circulam e têm provável origem na Ásia, subcontinente Indiano. Os pesquisadores também chegaram à conclusão de que é improvável que esta linhagem, batizada de DENV-3 GIII-American-II descenda da primeira linhagem introduzida no Brasil e em outros países da América latina nos anos 1990, chamada DENV-3 GIII-American-I, tanto pelo fato de não haver evidências da circulação continuada da DENV-3 GIII-American-I desde a década de 2010 quanto pela proximidade do genoma da nova linhagem com amostras mais recentes oriundas de países da região asiática.

Por se tratar da reintrodução de um sorotipo de Dengue há muito tempo sem circulação no país, o risco à saúde pública deve ser considerado, e a equipe responsável pelo artigo reforça a importância de se intensificar a vigilância, tanto na Região Norte quanto no resto do território brasileiro, para detecção precoce de movimentações da linhagem viral no país, bem como manutenção de um monitoramento contínuo do vírus e de seus impactos à saúde coletiva.

Naveca FG, Santiago GA, Maito RM, Meneses CAR, do Nascimento VA, de Souza VC, et al. Reemergence of dengue virus serotype 3, Brazil, 2023. Emerg Infect Dis. 2023 Jul

Publicação investiga como o coronavírus SARS-CoV-2 se replica no trato intestinal

Estudar uma doença nova é um processo de ganho de conhecimento que vem aos poucos, e envolve a exploração de muitas hipóteses ou abordagens. Por exemplo, embora o patógeno novo afete com maior especificidade um determinado tecido ou órgão, investigar apresentações atípicas que envolvam outros órgãos do corpo é importante para entender fenômenos e sintomas tidos como incomuns, mas que podem ser de grande importância para a saúde das pessoas afetadas e/ou para o espalhamento viral. No caso do SARS-CoV-2, a replicação e inflamação no epitélio respiratório é a mais estudada, e responsável pelo quadro de saúde grave que leva à maior parte das internações e óbitos, mas existem evidências de que o vírus está presente no trato gastrointestinal e pode se espalhar no ambiente também através das fezes.

O artigo aqui resumido teve objetivo primário de identificar se amostras de swab retal podem conter o genoma do SARS-CoV-2, assim como partículas virais viáveis, capazes de causar infecção. As amostras foram coletadas de pacientes sintomáticos e contactantes, dos quais também foram coletadas amostras de saliva e swabs de nasofaringe como controle. Além de buscar por uma sequência de RNA indicativa da replicação viral, a equipe de pesquisa testou a presença de partículas viáveis nas amostras pela observação dos chamados “efeitos citopatogênicos” em cultura de células — ou seja, as modificações nas células em cultura causadas pela infecção, que podem ser observadas em microscópio. Ao todo, entre as amostras retais, nasofaríngeas e de saliva, foram coletadas 1633 amostras entre Maio e Outubro de 2020, na cidade do Rio de Janeiro. Das 31 amostras de fezes de pessoas com teste positivo, 6 (19,4%, ou quase um quinto das amostras) tiveram evidência da replicação viral, pela detecção de RNA mensageiro indicativo da replicação. Apenas uma amostra de swab retal foi capaz de gerar efeitos citopatogênicos observáveis, o que indica que provavelmente a via fecal de infecção é rara na dinâmica epidêmica. Apesar disto, a evidência de replicação e da possibilidade de infecção a partir do trato gastrointestinal é importante, pois acrescenta um pouco mais de conhecimento sobre esta virose ainda pouco compreendida.

Ribeiro IP, Nascimento LGd, Tort LFL, Pereira EC, Menezes LSR, Malta FC, Oliveira BCEPDd, Rodrigues JP, Manso PPdA, Pelajo M, et al. Infectious SARS-CoV-2 Particles from Rectal Swab Samples from COVID-19 Patients in Brazil. Viruses. 2023; 15(5):1152.

DOI: https://doi.org/10.3390/v15051152

Artigo publicado na Scientific Reports com participação de membros da Rede Genômica Fiocruz avalia o quanto esquemas vacinais protegem ao longo do tempo contra novas variantes

Compreender como os níveis de anticorpos decaem ao longo do tempo após uma infecção ou vacinação é de extrema importância para que se planejem os reforços vacinais de maneira a manter a população protegida e impedir um rápido recrudescimento de uma epidemia ou pandemia. Para entender o fenômeno da manutenção ou perda da proteção no curto, médio e longo prazo, são muito importantes os chamados “dados de mundo real” — ou seja, dados de pessoas voluntárias selecionadas após a aplicação dos imunizantes já ter sido aprovada, com base em testes prévios em um número menor de pessoas, e implementada na realidade. Estes dados de mundo real, por permitirem uma amostragem mais ampla, levam a uma compreensão melhor sobre a eficácia dos imunizantes em uma população mais variada, além de permitirem o acompanhamento por um intervalo de tempo maior do que o das fases iniciais de teste antes da aprovação.

O artigo aqui resumido, publicado no periódico Scientific Reports do grupo Nature e elaborado com participação de membros da Rede Genômica Fiocruz, foca-se nas respostas fornecidas pelo acompanhamento de 524 pacientes de diversas faixas etárias, que tiveram amostras de soro coletadas periodicamente após eventos de infecção e/ou aplicações de doses de imunizantes para a dosagem de anticorpos e ensaios de neutralização — onde é analisada a capacidade do soro de bloquear a infecção por partículas virais viáveis, devido à ação de anticorpos neutralizantes sobre a proteína Spike. Os imunizantes avaliados foram os fabricados pela SinoVac (CoronaVac), a Oxford-AstraZeneca e a Pfizer-BioNTech, e foram avaliados também os efeitos de duas doses de reforço na manutenção de níveis mais altos de anticorpos. O estudo permitiu concluir que a dosagem de anticorpos tem uma queda mais pronunciada em pessoas acima de 60 anos, e que a capacidade de bloqueio da VOC Ômicron BA.1 foi reduzida em comparação à capacidade de bloqueio de outras variantes. Adicionalmente, a resposta à primeira dose de reforço teve um efeito mais pronunciado do que o da segunda dose, apesar de as duas terem tido um efeito na manutenção de anticorpos. Este artigo é importante por testar a manutenção da proteção por anticorpos ao longo do tempo, contra variantes distintas, e também para embasar pesquisas futuras que tentem entender estratégias para reforços adicionais, como a combinação de diferentes plataformas vacinais, intervalos de aplicação de doses adicionais, e as variantes que devem compor os imunizantes futuramente.

Espíndola, O.M., Fuller, T.L., de Araújo, M.F. et al. Reduced ability to neutralize the Omicron variant among adults after infection and complete vaccination with BNT162b2, ChAdOx1, or CoronaVac and heterologous boosting. Sci Rep 13, 7437 (2023).

DOI: https://doi.org/10.1038/s41598-023-34035-9

Pesquisa internacional com colaboração de membros da Rede Genômica Fiocruz testa a confiabilidade de amostras de saliva para detecção do SARS-CoV-2

O desenvolvimento de métodos de coleta de amostras clínicas confiáveis, seguros e menos incômodos à população é uma preocupação importante para as ciências médicas, especialmente em meio a uma epidemia de grandes proporções ou uma pandemia, onde a testagem em massa de casos suspeitos e contactantes é vital para a vigilância. No caso de viroses respiratórias como o coronavírus pandêmico SARS-CoV-2, o incômodo causado pela coleta de swab de orofaringe pode ser um importante fator para que algumas pessoas com poucos ou nenhum sintoma deixem de testar mesmo após terem sido expostas ao risco de contágio.

O artigo aqui resumido, realizado em cooperação internacional com participação de equipes da Fiocruz, testou a precisão de amostras de saliva, coletadas com menor incômodo para pacientes, para a realização de testes diagnósticos para detecção do SARS-CoV-2. Foram coletadas 818 amostras de 365 pacientes de diversas faixas etárias, no período de circulação expressiva da VOC Ômicron, para realização da testagem por RT-qPCR, em método já padronizado anteriormente. Os resultados permitiram concluir que amostras de saliva têm resultados consistentes com os de amostras de orofaringe/nasofaringe, com uma sensibilidade maior em crianças e adolescentes. Ainda assim, por se tratar de uma única publicação, espera-se que mais estudos realizados em outras populações cheguem a conclusões similares antes de a coleta de amostras de saliva tornar-se a prática em unidades de saúde ao redor do mundo.

Calvet, G., Ogrzewalska, M., Tassinari, W. et al. Accuracy of saliva for SARS-CoV-2 detection in outpatients and their household contacts during the circulation of the Omicron variant of concern. BMC Infect Dis 23, 295 (2023).

DOI: https://doi.org/10.1186/s12879-023-08271-3

Publicado no periódico Scientific Reports, artigo da Rede Genômica Fiocruz explora características da reinfecção pela VOC Gama

Um fenômeno que chamou atenção de cientistas estudando a pandemia do novo coronavírus no Brasil foi o rápido espalhamento da variante de preocupação (VOC) Gama entre o final de 2020 e início de 2021, mesmo em regiões do país com altas taxas de infecção prévia. Este fato levou à questão de pesquisa sobre o quanto do espalhamento do vírus se devia a reinfecções — ou seja, à capacidade de algumas variantes do SARS-CoV-2 de escapar dos anticorpos gerados em resposta a infecções anteriores ou à vacinação.

Neste artigo, resultado da expansão e revisão por pares do trabalho inicialmente publicado como preprint (trabalho científico ainda em estado preliminar, sem revisão independente dos métodos e resultados), pesquisadores da Rede Genômica Fiocruz estudaram a fundo 25 casos de reinfecção confirmadas por RT-PCR — ou seja, com a identificação de um perfil genético do vírus no primeiro evento de infecção e de um segundo perfil, diferente do primeiro, no segundo evento. Antes da reinfecção pela VOC Gama, os pacientes haviam sido infectados por distintas linhagens virais entre março e dezembro de 2020, entre três e doze meses antes da reinfecção. A análise do soro destes pacientes revelou que mais da metade apresentou anticorpos capazes de neutralizar o novo coronavírus, incluindo a própria VOC Gama, após a reinfecção, embora esta resposta imunológica seja apenas parcial — ou seja, os pacientes tiveram o ciclo completo da infecção, sendo capazes de transmitir a doença para outros potenciais hospedeiros.

Outro aspecto avaliado na publicação completa é a diversidade intra-hospedeiro, ou seja, a proporção de genomas em cada amostra que apresentavam mutações pontuais. Isto porque uma questão de pesquisa importante é a possibilidade de pacientes reinfectados, devido à presença de anticorpos previamente gerados em resposta às primeiras infecções, atuarem como fatores de seleção de vírus com padrões complexos de mutação, com alterações estruturais em proteínas-chave como a Spike que levem à fuga dos anticorpos do próprio paciente. Os resultados mostraram que, nos casos avaliados, não foi encontrada uma diversidade maior de mutantes na reinfecção pela Gama, quando comparada à primeira infecção dos mesmos pacientes, o que não corrobora a ideia de reinfecções como focos de surgimento de potenciais novas variantes.

O trabalho conclui que a reinfecção por variantes de preocupação tem um importante papel na transmissão da COVID-19, já que a habilidade de escapar parcialmente da resposta imunológica de indivíduos já expostos ao vírus significa um maior potencial para que o patógeno continue circulando na população. Os voluntários participantes do estudo tiveram sintomas leves ou mesmo casos assintomáticos associados à reinfecção com a Gama, mas o trato respiratório superior tinha quantidades expressivas de RNA viral, sugerindo que, mesmo em reinfecções de sintomatologia mais leve, a capacidade de espalhar a doença se mantém.

Naveca, F.G., Nascimento, V.A., Nascimento, F. et al. SARS-CoV-2 intra-host diversity, antibody response, and disease severity after reinfection by the variant of concern Gamma in Brazil. Sci Rep 13, 7306 (2023).

DOI: https://doi.org/10.1038/s41598-023-33443-1

Artigo testa abordagem de epidemiologia em amostras de chorume de resíduos urbanos para vigilância do SARS-CoV-2

Uma ferramenta alternativa de vigilância para entender o quanto um vírus tem circulação prevalente em meios urbanos é a análise epidemiológica de amostras de resíduos urbanos. Assim como a epidemiologia de esgotos, que já foi investigada quanto à sua aplicação para vigilância do novo coronavírus SARS-CoV-2 em outros artigos resumidos nesta seção de Publicações, outros tipos de amostragem podem dar respostas importantes. Estas respostas vão desde a simples detecção da presença do vírus até a possibilidade de inferir a identidade de variantes circulando (ou seja, identificar pequenas sequências associadas a linhagens específicas, mesmo sem o sequenciamento completo do genoma). Adicionalmente, a depender do tipo de resíduo analisado, esta alternativa epidemiológica pode fornecer respostas sobre o quanto diferentes regiões de um município têm padrões distintos de circulação de linhagens virais.

O artigo aqui resumido testa a abordagem de epidemiologia em chorume de resíduos sólidos urbanos, a partir de amostras de caminhões de coleta de resíduos em uma estação de coleta no município do Rio de Janeiro. Vinte amostras foram analisadas pelo grupo de pesquisa, e foi possível inferir a identidade da Variante de Preocupação (VOC) Alfa e a Variante de Interesse (VOI) Zeta a partir da técnica de RT-qPCR nas oito amostras que testaram positivo para a presença do SARS-CoV-2 (correspondentes a 40% do total de amostras). Os autores do estudo não obtiveram sucesso no isolamento e sequenciamento completo do genoma viral, mas argumentam que as respostas fornecidas por esta abordagem aliada à inferência de linhagens por RT-qPCR podem ajudar a entender a circulação do vírus no ambiente urbano e informar políticas sociais, de vigilância e saúde.

Lanzarini, N.M., Mannarino, C.F., Ribeiro, A.V.C. et al. SARS-CoV-2 surveillance-based on municipal solid waste leachate in Brazil. Environ Sci Pollut Res 30, 67368–67377 (2023).

DOI: https://doi.org/10.1007/s11356-023-27019-9

Um vírus, um estado, dinâmicas diversas: como diferentes variantes do SARS-CoV-2 se comportaram no Amazonas

O cenário do coronavírus causador da COVID-19 no estado do Amazonas foi o de uma calamidade da saúde pública, onde o avanço de casos e óbitos foi o mais rápido de todos os estados brasileiros. O estudo de cenários epidemiológicos como este, quando possíveis, permitem entender como diferentes linhagens do vírus se espalham e se tornam dominantes, assim como o papel de imunizações e medidas não-farmacológicas para traçar estratégias e evitar que tragédias similares voltem a ocorrer no futuro.

Um artigo com participação de pesquisadores da Rede Genômica Fiocruz e publicado entre os destaques de Saúde Pública periódico Nature Communications, uma das publicações científicas de maior prestígio global, centrou-se no cenário amazonense para entender como diferentes linhagens de Variantes de Preocupação (VOCs) circularam na região, e o papel que a chamada “imunidade híbrida” — ou seja, uma combinação da imunidade adquirida em função do contato com o vírus com aquela estimulada pela vacinação — teve na contenção deste avanço. O artigo, produzido com base em sequências de genoma completo de alta qualidade de 4.218 amostras clínicas de pacientes coletadas entre Julho de 2021 e Janeiro de 2022, investigou se houve diferenças na maneira como cada nova VOC se espalhou no Amazonas, focando-se também na dinâmica de substituição entre as variantes.

A análise dos padrões temporais revelou que a substituição da variante Gama pela Delta aconteceu de forma gradual, enquanto a variante Ômicron substituiu a Delta de maneira muito mais rápida. A variante Gama foi a mais prevalente desde antes de Julho de 2021 até o meio de Setembro de 2021, correspondendo a mais de 50% dos genomas da região neste período. Esta VOC foi detectada pela última vez no AM em Novembro daquele ano, tendo sido suplantada pela VOC Delta, que circulava na região desde Julho, levando aproximadamente 70 dias para tornar-se a mais prevalente no estado, tornando-se dominante (mais de 90% dos genomas sequenciados) de 30 a 40 dias depois deste marco (total de 100 a 110 dias). Em comparação, a VOC Ômicron BA.1 foi detectada pela primeira vez no final de dezembro de 2021, e em menos de duas semanas já representava mais de 90% dos genomas sequenciados. Adicionalmente, enquanto a substituição gradual da Gama pela Delta não foi associada a um aumento no número de casos, o rápido espalhamento da Ômicron BA.1 ocorreu junto a uma rápida ascensão nos números de casos no AM.

Os achados do artigo são consistentes com a hipótese de que linhagens do SARS-CoV-2 que têm mutações associadas a um escape da resposta imunológica como a Ômicron tendem a se espalhar de forma mais rápida e causar um maior número de reinfecções do que aquelas que possuem apenas uma maior transmissibilidade intrínseca, sem a presença de um grande número mutações adicionais associadas ao escape imune (como foi o caso da Delta). O artigo também mapeou quais foram as principais rotas de entrada e espalhamento das diferentes linhagens virais no estado, mostrando que a região metropolitana de Manaus foi a principal via de disseminação regional do vírus, tanto no caso da Delta quanto da Ômicron. Outro achado importante é o de que a imunidade híbrida no estado (e possivelmente no país como um todo) foi um fator importante em impedir que a chegada da VOC Delta viesse acompanhada de um aumento no número de casos, conforme observado em países com menores taxas de imunização. Adicionalmente, apesar de não ter conseguido impedir o rápido espalhamento da Ômicron, e o aumento concomitante no número de casos, a imunização híbrida foi um provável fator importante para que este alto número de casos não tenha resultado em um alto número de óbitos pela doença.

Arantes, Ighor, et al. “Comparative epidemic expansion of SARS-CoV-2 variants Delta and Omicron in the Brazilian State of Amazonas.” Nature Communications 14.1 (2023): 2048.

DOI: https://doi.org/10.1038/s41467-023-37541-6

Relato de caso atípico de COVID-19 persistente em paciente vacinada argumenta em favor da revisão continuada dos esquemas de vacinação

Uma questão importante após o surgimento e combate de uma nova doença, causada por um patógeno com o qual a espécie humana não possui uma história de longo prazo, é a constante avaliação e refinamento de imunizantes, uma vez que o sistema imunológico nem sempre é capaz de gerar uma resposta efetiva de longo prazo a cada patógeno. Isto se dá, em geral, por vários fatores, como a própria dinâmica do sistema imunológico, características inerentes das moléculas-alvo de anticorpos (também chamadas de antígenos), que podem não levar a uma memória imunológica de longo prazo, e também porque os patógenos continuam evoluindo — podendo fixar em suas populações mutações que levem a um escape da resposta imunológica por resultarem em antígenos com estruturas diferentes.

Em publicação recente, um grupo de pesquisa vinculado à Rede Genômica Fiocruz no Ceará descreveu o caso de uma paciente brasileira jovem e sem comorbidades que, apesar de esquema vacinal completo com duas doses mais uma terceira dose de reforço (em outubro de 2021), foi acometida por um caso de COVID-19 com um tempo de replicação do vírus um pouco mais longo que o usual. A paciente é uma profissional de saúde e teve resultados positivos para a presença do RNA viral em amostras de orofaringe por até 40 dias após o início dos sintomas (ou seja, entre julho e agosto de 2022). O artigo avalia, além da quantidade estimada de RNA viral ao longo destes 40 dias, algumas características da resposta imunológica da paciente, como a contagem de anticorpos do tipo IgG no soro durante o período, bem como anticorpos que se ligam a alguns antígenos específicos, como a proteína do nucleocapsídeo, que indicam uma infecção ativa ou recente.

Segundo os resultados descritos no artigo, a infecção persistente após três doses do imunizante pode ter se dado tanto por uma queda na capacidade de resposta rápida mediada por anticorpos quanto pelo fato de a linhagem responsável pela infecção (a Ômicron BA.5.1) apresentar em seu genoma uma ampla constelação de mutações em relação às linhagens do início da pandemia do SARS-CoV-2, utilizadas para a confecção das vacinas utilizadas no Brasil até 2022.

Vasconcelos, G. S., Fernandes, M. D. C. R., Matsui, T. C., dos Santos Luciano, M. C., Costa, C. L., Ferraz, C. P. M., … & Fonseca, M. H. G. (2023). Persistent SARS-COV-2 infection in vaccinated individual with three doses of COVID-19 vaccine. Vaccine, 41(11), 1778-1782.

DOI: https://doi.org/10.1016/j.vaccine.2023.02.019

Trabalho pioneiro com participação de membros da Rede Genômica Fiocruz estuda o genoma e possíveis repercussões de recombinantes do SARS-CoV-2

O ano de 2022 trouxe à comunidade científica e à população em geral uma nova preocupação, no que diz respeito à pandemia de COVID-19: trabalhos de vigilância genômica começavam a detectar genomas que pareciam ser mesclas do genoma de duas ou mais variantes do SARS-CoV-2. Após a confirmação de que alguns destes casos realmente se tratavam das chamadas “recombinantes”, fruto de processos de quebra e recombinação do genoma de mais de uma variante infectando um mesmo paciente, a comunidade científica começou a estudar estas variantes quanto à sua relevância epidemiológica e as características que se apresentavam devido à combinação de trechos do genoma de variantes com histórias evolutivas distintas. Uma questão importante era a possibilidade de estas recombinantes serem melhor-sucedidas em se espalhar ou em causar reinfecções do que suas variantes parentais, o que poderia levar a uma dominância de recombinantes no cenário epidemiológico mundial.

O trabalho de pesquisa aqui resumido foca-se no estudo do genoma de uma recombinante “Deltacron”, proveniente de um evento de recombinação ocorrido no Sul do Brasil, em uma iniciativa pioneira de caracterizar o genoma da variante e tentar reconstituir os eventos que levaram a seu surgimento, além de discutir hipóteses sobre a relevância de recombinantes similares para o futuro da pandemia de COVID-19. O artigo aponta que a recombinante, denominada AYBA-RS, é provavelmente fruto da recombinação da linhagem AY.101 (Delta) com a BA.1.1 (Ômicron), com o ponto de quebra — onde os fragmentos de genoma de ambas as variantes foram “ligados” — sendo no início do gene que codifica a proteína Spike. Análises de genômica evolutiva indicam que a nova linhagem emergiu em Dezembro de 2021 após um único evento de recombinação.

O artigo argumenta que o baixo número de amostras da AYBA-RS no banco de dados do GISAID sugere que ela se espalhou pouco na população, indicando que esta recombinante não teve um aumento no sucesso de transmissão em relação a outras linhagens do SARS-CoV-2. Porém, a possibilidade de que outros eventos de recombinação resultem em linhagens de maior sucesso evolutivo — com maior relevância epidemiológica — é um argumento em favor de manter uma vigilância genômica constante e continuada, especialmente devido à circulação de múltiplas variantes do vírus globalmente, que podem coocorrer em uma ou mais localidades devido ao tráfego de pessoas e, eventualmente, coinfectar pacientes, abrindo espaço para eventos de recombinação como o que resultou na emergência da AYBA-RS.

Sant’Anna, F. H., Finger Andreis, T., Salvato, R. S., Muterle Varela, A. P., Comerlato, J., Gregianini, T. S., Barcellos, R. B., Godinho, F. M. S., Resende, P. C., Wallau, G. L., Castro, T. R., … & Wendland, E. (2023). Incipient parallel evolution of SARS-CoV-2 Deltacron variant in South Brazil. Vaccines11(2), 212.

DOI: 10.3390/vaccines11020212

Pesquisa internacional compara as condições de vigilância genômica do SARS-CoV-2 entre países em diferente condição socioeconômica

Em uma pandemia de escala global causada por um vírus de rápido espalhamento como o coronavírus causador da COVID-19, a capacidade de sequenciamento e análise do genoma de cada país é um importante determinante de medidas nacionais, regionais e globais de vigilância e contenção de novas variantes virais. As respostas fornecidas por um sequenciamento abrangente e um depósito em tempo oportuno de genomas completos são importantes para identificar, por exemplo, o surgimento de novas linhagens, assim como a chegada de linhagens provenientes de outras regiões geográficas a um novo continente. Estas e outras respostas dependem, porém, das condições socioeconômicas de cada nação para o estabelecimento de uma vigilância genômica representativa, de forma que entender as disparidades na capacidade de vigilância entre países de diferentes níveis socioeconômicos é importante para identificar áreas com “apagão de dados”, para as quais a comunidade internacional poderia direcionar esforços no sentido de financiar e apoiar a formação de profissionais para a vigilância genômica.

O estudo aqui resumido comparou dados de sequências depositadas no GISAID por 189 países de diferentes continentes e indicadores socioeconômicos para determinar a diferença nas condições de vigilância entre países de alto poder econômico e aqueles em desenvolvimento, tanto em termos da representatividade do sequenciamento (ou seja, a porcentagem de amostras sequenciadas em relação à totalidade de casos confirmados) quanto da velocidade de depósito no banco de dados. As conclusões do artigo chamam atenção para a necessidade de fortalecimento da pesquisa em países de menor poder socioeconômico: enquanto 78% dos países ricos avaliados tiveram uma cobertura de sequenciamento igual ou superior a 0,5% dos casos, apenas 42% dos países em desenvolvimento atingiram este patamar, um número quase duas vezes menor. E a diferença também foi significativa em termos da demora entre a confirmação de um caso e seu sequenciamento e depósito no GISAID: enquanto aproximadamente um em cada quatro (25%) dos países desenvolvidos conseguiram um intervalo inferior a 21 dias, este marco da agilidade de depósito só foi alcançado por um em cada vinte (5%) países em desenvolvimento, um número cinco vezes menor.

As dificuldades enfrentadas por países de menor poder socioeconômico no que diz respeito a ter um sequenciamento representativo e ágil de amostras do SARS-CoV-2 (e de eventuais futuros agravos epidêmicos ou pandêmicos) representam um risco para a população global e, em especial, para as populações destas próprias nações, uma vez que estas informações são importantes para a elaboração de políticas públicas de saúde. O artigo embasa a necessidade de um maior investimento global para o fortalecimento da vigilância em nações com este perfil socioeconômico.

Brito, A. F., et al. “Global disparities in SARS-CoV-2 genomic surveillance.” Nature communications 13.1 (2022): 7003.

DOI: https://doi.org/10.1038/s41467-022-33713-y

Trabalho de pesquisa envolvendo membros da Rede Genômica Fiocruz caracteriza o genoma da Recombinante XAG

Um dos fenômenos recentemente caracterizados pela continuada vigilância genômica do novo coronavírus pandêmico SARS-CoV-2 é o surgimento de linhagens recombinantes. Estas recombinantes, fruto da combinação de partes do genoma de duas ou mais linhagens do SARS-CoV-2, representam um mecanismo adicional de geração de diversidade do vírus. Isto porque, ao combinar características de duas linhagens diferentes, as recombinantes podem ter alterações em seu fenótipo, ou seja: em suas características biológicas. Especialmente levando em conta que a evolução do vírus — em um cenário composto por diferentes hospedeiros e graus de imunização — selecionou Variantes de Preocupação (VOCs) com uma combinação de mutações em genes importantes que proporcionam um escape parcial de mecanismos imunes como anticorpos, esta combinação de diferentes características genéticas apresenta um potencial risco à saúde pública.

O trabalho de pesquisa ao qual este resumo se refere é o primeiro a caracterizar molecularmente a recombinante XAG, detectada pela primeira vez em território brasileiro e fruto da combinação entre os genomas das linhagens Ômicron BA.1.1 e BA.2.23. O artigo detalha o quanto a confirmação de uma recombinante é um processo complexo que necessita uma curadoria manual por parte de bioinformatas e especialistas em genômica experientes, uma vez que há necessidade de se confirmar se o que está sendo observado no sequenciamento é de fato um genoma recombinante ou apenas uma co-detecção ou contaminação de amostras.

O artigo caracterizou quatro mutações que ainda não haviam sido descritas em nenhuma recombinante identificada até o momento, e descreveu os possíveis pontos de quebra — regiões do genoma mais provavelmente fruto da junção dos fragmentos de genomas da BA.1.1 e BA.2.23. O estudo trata ainda das sequências associadas à linhagem já detectadas no Brasil (186 sequências em 10 estados) e no mundo (incluindo países como Argentina, Áustria, Canadá, Chile, Colômbia, Dinamarca, França, Alemanha, Índia, Israel, Japão, Luxemburgo, México, Nova Zelândia, Peru, Portugal, Escócia, Suíça e Estados Unidos). O número de sequências depositadas na plataforma GISAID para estudo pela comunidade internacional era de 819 sequências até a publicação do artigo.

O estudo ressalta a importância de uma vigilância genômica consistente que permita monitorar o surgimento e a evolução de recombinantes como estas, especialmente frente ao risco de recombinantes entre linhagens do vírus capazes de infectar animais e seres humanos.

de Souza Silva, T., Salvato, R. S., Gregianini, T. S., Gomes, I. A., Pereira, E. C., de Oliveira, E., Menezes, A. L., Barcellos, R. B., Godinho, F. M., Riediger, I., Debur, M. C., Oliveira, C. M., Ribeiro-Rodrigues, R., Miyajima, F., Dias, F. S., Abbud, A., Monte-Neto, R., Calzavara-Silva, C. E., Siqueira, M. M., Wallau, G. L., Resende, P. C., Fernandes, G. R. & Alves, P. (2022). Molecular characterization of a new SARS-CoV-2 recombinant cluster XAG identified in Brazil.

DOI: https://doi.org/10.3389/fmed.2022.1008600

O quanto a resistência a antivirais em amostras brasileiras de Influenza A é uma preocupação atual?

O vírus Influenza A, um dos causadores da gripe comum, é um patógeno de grande importância para a vigilância, uma vez que causa epidemias regulares e tem potencial pandêmico, tendo sido responsável por uma das pandemias mais desastrosas da história humana em 1918. Além da constante vigilância epidemiológica e genômica do vírus no sentido de detectar padrões de circulação, formular vacinas e vigiar a circulação de genes relevantes para a transmissibilidade do vírus, o monitoramento do Influenza A também tem se focado cada vez mais em outra questão: a detecção e acompanhamento de genes associados à resistência contra a principal classe de antivirais utilizados para o controle da infecção, os inibidores de neuraminidase (NAI, do inglês Neuraminidase Inhibitors).

O artigo ao que este resumo se refere, produzido com participação de membros da Rede Genômica Fiocruz, tinha como objetivo estudar a presença e estimar a incidência de genes de resistência, em amostras de Influenza A circulantes no Brasil entre 2017 e 2019, ao NAI oseltamivir, um dos mais utilizados no país para o tratamento da gripe. A equipe responsável pela pesquisa avaliou 282 amostras de Influenza A(H1N1)pdm09 e 455 de Influenza A(H3N2) disponíveis no banco de dados do GISAID, além de terem avaliado a presença de uma das mutações diretamente em 437 amostras de A(H1N1)pdm09 através da técnica de pirosequenciamento. Adicionalmente, os pesquisadores testaram in vitro a susceptibilidade de 222 amostras de Influenza A(H1N1)pdm09 e 83 amostras de A(H3N2) ao oseltamivir.

O estudo permitiu inferir que a circulação de genes de resistência a NAIs no país é baixa, e as amostras testadas in vitro mantiveram a suscetibilidade ao antiviral mais utilizado no país. Estes achados estão em concordância com o cenário mundial de baixa incidência de resistência em amostras de Influenza A, indicando que esta classe de drogas segue como uma boa opção para o tratamento. O artigo chama atenção, porém, para a importância de manter uma vigilância constante e robusta destes genes, tanto para aumentar a representatividade da amostragem no país quanto para detectar rapidamente um eventual aumento na incidência de mecanismos de resistência antes que estes se tornem um problema de saúde coletiva.

Sousa, Thiago das Chagas, et al. “Low prevalence of influenza A strains with resistance markers in Brazil during 2017–2019 seasons.” (2022).

DOI: https://doi.org/10.3389/fpubh.2022.944277

Artigo científico reconstrói a trajetória da VOC Delta no Brasil

Com autoria de pesquisadores e pesquisadoras da Rede Genômica Fiocruz, uma nova publicação acadêmica foi disponibilizada na revista científica Virology. No artigo é apresentada a história da chegada, da diferenciação em linhagens e do espalhamento da VOC Delta no território brasileiro, reconstituída a partir da análise do genoma de 2.264 amostras da variante obtidas em 21 estados brasileiros.

As análises que levaram à publicação permitiram a identificação de três “centros” epidemiológicos, com genéticas distintas, a partir dos quais a variante se espalhou regionalmente em diferentes períodos do ano de 2021: BR-1 (com 1.560 das amostras analisadas), uma linhagem que surgiu no Rio de Janeiro no final de abril e foi a principal responsável pela disseminação da Delta nas regiões Sudeste, Nordeste, Norte e Centro-Oeste; AY.101 (207 dos genomas analisados), surgida no Paraná também ao final de abril e responsável pela maior parte dos genomas da região Sul estudados no período; e a linhagem AY.46.3, que surgiu no estado de São Paulo no princípio de junho e circulou quase que exclusivamente no estado.

O artigo chama atenção para a importância de manter uma vigilância genômica forte em situações dinâmicas como as substituições de VOCs do SARS-CoV-2.

Arantes, I., Gomes Naveca, F., Gräf, T., COVID-19 Fiocruz Genomic Surveillance Network,, Miyajima, F., Faoro, H., … & Cristina Resende, P. (2022). Emergence and Spread of the SARS-CoV-2 Variant of Concern Delta across Different Brazilian Regions. Microbiology Spectrum, e02641-21. 

DOI: https://doi.org/10.1128/spectrum.02641-21

Estudo avalia como a imunidade a linhagens de SARS-CoV-2 do início da pandemia pode ou não proteger contra Variantes de Preocupação mais recentes

Uma das questões que surgem da evolução constante de patógenos como o coronavírus pandêmico SARS-CoV-2 é o chamado “escape imunológico”. Este fenômeno ocorre quando linhagens do vírus acumulam em seu genoma mutações que resultam em mudanças de estrutura de proteínas e outras moléculas reconhecidas por mecanismos do sistema imunológico, de forma que anticorpos e células do sistema imune não conseguem mais produzir uma resposta efetiva e proteger o organismo. Esta falha em proteger o organismo devido a mudanças nas moléculas-alvo pode ir desde uma resposta menos eficiente até um escape total, com pouca ou nenhuma redução no risco de contrair a doença e desenvolver sintomas após o contato com linhagens como as das chamadas Variantes de Preocupação (VOCs).

Uma das formas de entender o grau de preocupação associado a linhagens com mutações associadas ao escape imunológico é avaliar o soro de pessoas anteriormente infectadas com linhagens mais antigas do vírus para entender o quanto esses soros são capazes de neutralizar a infecção por linhagens de VOC em laboratório. Experimentos como estes permitem entender o escape imunológico, e detectar padrões no que diz respeito a linhagens que levam a uma resposta imune capaz de proteger contra um maior número de mutações. O artigo ao que este resumo se refere segue esta abordagem, analisando o soro de 20 pacientes previamente hospitalizados que haviam sido infectados com as variantes iniciais B.1.1.28 e B.1.1.33, ou pela VOC Gama (P.1) em ensaios de neutralização. Estes ensaios consistem em incubar outras variantes do vírus (no caso do artigo, um painel incluindo as variantes  B.1, Zeta, N.10 e as VOCs Gama, Alfa e Delta) junto ao soro os pacientes, com a posterior análise do quanto a exposição ao soro afetou a infectividade das partículas virais, também em ensaios de laboratório.

Os resultados do estudo sugerem que os anticorpos de pacientes infectados com as variantes do início da pandemia conseguiam neutralizar parcialmente outras variantes, incluindo as VOCs testadas. Algo similar foi observado com o soro de pacientes infectados pela variante Gama, que foi capaz de neutralizar a infectividade de amostras da fase inicial da pandemia no Brasil. Porém, quando estes mesmos soros com anticorpos gerados em resposta à Gama foram testados contra outra VOC, a Delta, a capacidade de neutralização foi abaixo do limite de detecção dos testes. O artigo também contribui para o desenvolvimento do conhecimento científico ao testar com o SARS-CoV-2 um método para detecção de resposta imunológica cruzada utilizado para outros grupos de vírus como os flavivírus, ao chegar à conclusão de que esta técnica não é adequada para comparar a resposta cruzada entre linhagens do SARS-CoV-2.

Pauvolid-Corrêa, Alex, et al. “Sera of patients infected by earlier lineages of SARS-CoV-2 are capable to neutralize later emerged variants of concern.” Biology Methods and Protocols 7.1 (2022): bpac021. 

DOI: https://doi.org/10.1093/biomethods/bpac021

Pesquisa com colaboração de membros da Rede Genômica Fiocruz avalia os efeitos protetivos da vacina trivalente de Influenza aplicada no Brasil

Um dos mais importantes mecanismos de combate ao vírus Influenza, causador da gripe, é a vacinação, que pode prevenir casos graves, hospitalizações, sequelas e óbitos. Para que sejam efetivas, vacinas como a trivalente (aplicada no Brasil) devem ser revisadas anualmente, para acompanhar a rápida mutação de vírus Influenza e a diminuição da resposta imunológica ao longo do tempo. Mutações podem resultar em antígenos diferentes dos presentes nas linhagens utilizadas para a formulação da vacina, o que reduz a proteção frente a amostras circulantes que tenham essas diferenças antigênicas. Além das mutações, fatores de cada pessoa vacinada também afetam a efetividade da vacina, como a idade e a memória imunológica de vacinações ou contágios anteriores pelo vírus, de forma que o teste da efetividade das vacinas em uma população determinada é a melhor maneira de entender o quanto as campanhas de imunização se adequam às necessidades de cada país.

O artigo aqui resumido é fruto da avaliação da resposta sorológica à vacina tríplice aplicada no hemisfério sul, nas versões dos anos de 2018 a 2020. O estudo foi focado em um grupo de 117 voluntários brasileiros e utilizando-se de ensaios de neutralização da hemaglutinina (proteína do vírus influenza responsável pela adesão às células antes da invasão) pelo soro dos voluntários antes e depois da vacinação em cada ano. Entre estes voluntários, a taxa de soroproteção — ou seja, a proporção de pessoas cujo soro foi capaz de neutralizar a ação da hemaglutinina — após a vacina foi superior a 83%. A soroconversão, que é a presença de níveis detectáveis de anticorpos específicos para antígenos virais — variou entre 10% e 46%, com um aumento significativo tanto na quantidade de anticorpos quanto na soroproteção, ambos associados à aplicação da vacina trivalente.

O artigo descreve também respostas imunológicas cruzadas, que é o nome dado ao fenômeno de a resposta a um vírus ou linhagem viral proteger também contra outro vírus ou linhagem. Esta resposta cruzada foi percebida principalmente entre subtipos de Influenza A H1N1. Os pesquisadores destacam ainda a redução de níveis de anticorpos no soro e da própria soroproteção aos 6 e aos 12 meses após a vacinação, com um efeito muito mais pronunciado do que a idade dos voluntários sobre a proteção contra o vírus. A constante realização de estudos com o objetivo de avaliar a proteção pela vacina trivalente frente à realidade da circulação de amostras no Brasil é importante para o constante refinamento das estratégias de imunização no país.

Capão, A., et al. “Analysis of Viral and Host Factors on Immunogenicity of 2018, 2019, and 2020 Southern Hemisphere Seasonal Trivalent Inactivated Influenza Vaccine in Adults in Brazil.” Viruses 14.8 (2022): 1692.

DOI: https://doi.org/10.3390/v14081692

Artigo científico fruto de parceria entre a UFG, a Universidade A&M do Texas e a Rede Genômica Fiocruz testa uma técnica molecular de baixo custo para detecção de variantes do SARS-CoV-2

A pesquisa científica voltada para a criação e aperfeiçoamento de técnicas que possam dar respostas rápidas, de custo reduzido e de simples execução é importante para as ciências da saúde e para o desenvolvimento de estratégias de resposta a emergências. Especialmente em situações como a pandemia causada pelo coronavírus SARS-CoV-2, em que o monitoramento em tempo oportuno de Variantes de Preocupação é vital para que os sistemas de saúde estejam prontos para responder à introdução de novas variantes em um país, região ou estado, métodos precisos e específicos que permitam a identificação destas variantes de maneira mais barata do que o sequenciamento de nova geração podem salvar vidas, especialmente em regiões economicamente desabastecidas.

O artigo científico aqui resumido, com participação de membros da Rede Genômica Fiocruz junto a grupos de pesquisa da Universidade Federal de Goiás e da A&M University do Texas, é focado em um protocolo com estas características, testando sua precisão e especificidade na detecção de mutações características de Variantes de Preocupação do coronavírus pandêmico SARS-CoV-2. Chamada de RT-LAMP, abreviação de Amplificação Isotérmica mediada por Laço com Transcrição Reversa, a técnica pode ser realizada em temperatura ambiente, não necessitando de sequenciadores ou de aparelhos de PCR com aumento de temperatura. A amplificação de pequenas sequências-alvo com o RT-LAMP para identificação de sequências específicas já vem sendo utilizada para uma série de finalidades em biologia molecular, incluindo a vigilância de outros patógenos e a detecção do SARS-CoV-2, sem levar em conta sequências características de VOCs, em amostras clínicas.

Os resultados do artigo mostram que o protocolo proposto permitiu a detecção da Variante Gama com uma sensibilidade de 93,33% e especificidade de 88,89% nas 60 amostras testadas para validação, sugerindo que este protocolo pode ser interessantes para uma varredura inicial de amostras em países com baixa cobertura de sequenciamentos. Adicionalmente, esta abordagem pode ser adaptada, com a proposta e testagem de outros alvos moleculares, para detectar outras linhagens do vírus no futuro.

Dos Santos, Carlos Abelardo, et al. “Detecting lineage-defining mutations in SARS-CoV-2 using colorimetric RT-LAMP without probes or additional primers.” Scientific Reports 12.1 (2022): 11500.

DOI: https://doi.org/10.1038/s41598-022-15368-3

Publicação com participação de pesquisadores da Rede Genômica Fiocruz traz dados que avaliam a eficácia de dose de reforço, corroborando a importância do esquema vacinal mais adotado no Brasil

Uma das principais preocupações para a saúde pública após o advento das vacinas para o coronavírus pandêmico SARS-CoV-2 é a possibilidade de que as mutações acumuladas em algumas das variantes e linhagens do vírus permitam que estas mutantes escapem total ou parcialmente dos mecanismos da resposta imunológica estimulada pelas vacinas. Até o presente momento (junho de 2022), a variante Ômicron possui o maior número destas mutações em um dos genes mais relevantes para o mecanismo de invasão celular pelo vírus: um total de 47 mutações (ou mais, em algumas linhagens) no gene da glicoproteína Spike.

Após alguns estudos iniciais que sugerem um papel importante de esquemas de vacinação que incluam diferentes tecnologias — ou seja, estimulem de formas distintas o sistema imunológico — em uma resposta de anticorpos maior e mais duradoura contra o SARS-CoV-2, este esquema foi adotado na maioria dos países, inclusive no Brasil. O acompanhamento da eficácia destes esquemas vacinais contra variantes de preocupação (VOC) como a ômicron é importante para confirmar se esta medida de saúde pública tem efeitos reais na proteção da população, e é neste acompanhamento que se foca a presente publicação com co autoria de pesquisadores da Rede Genômica Fiocruz.

Com base nos dados de 90 pessoas (todas profissionais da área de saúde, entre 18 e 62 anos), o estudo verificou o efeito do reforço com a vacina de mRNA BNT162b2 (Pfizer/BioNTech) após duas doses da CoronaVac (Sinovac) — o esquema vacinal de mais ampla aplicação no país — na produção de anticorpos com capacidade de neutralizar a Ômicron. Para isto, a equipe de pesquisadores utilizou-se de ensaios em cultura de células, nos quais células saudáveis são expostas a uma solução contendo o vírus pré-tratado com o soro dos pacientes, para verificar se este soro tem anticorpos com ação neutralizante efetiva (ou seja, capazes de impedir que o vírus infecte as células em cultura). Foram comparados os soros de pacientes após 30 dias da segunda dose da Coronavac, outro grupo após 60 dias, e um terceiro grupo, que teve o soro coletado 30 dias depois da dose de reforço.

Os resultados destes ensaios demonstram não apenas uma queda na capacidade de neutralização do soro de pacientes após 60 dias da vacinação sem reforço — de 16,6% dos soros de voluntários sendo capazes de neutralizar o vírus após 30 dias para 10% no grupo de 60 dias pós-vacinação — mas um aumento de resposta após a terceira dose com vacina de outra plataforma: o grupo que teve o soro coletado 30 dias após o reforço teve 76,6% das amostras de soro coletadas capazes de neutralizar o vírus. Além de uma maior taxa de respondentes, os ensaios também aumentaram a capacidade de cada respondente de neutralizar o vírus: comparando amostras de soro diluído, foi possível ver que a capacidade de neutralização do soro de voluntários no grupo pós-reforço foi 43 vezes maior do que a do soro de pessoas nos grupos pré-reforço vacinal.

O estudo, publicado em um dos mais relevantes periódicos científicos do mundo, contribui com mais evidências em favor do esquema de vacinação que combina a CoronaVac com doses de reforço da vacina BNT162b2.

Campos, G.R.F., Almeida, N.B.F., Filgueiras, P.S. et al. Booster dose of BNT162b2 after two doses of CoronaVac improves neutralization of SARS-CoV-2 Omicron variant. Commun Med 2, 76 (2022). 

DOI: https://doi.org/10.1038/s43856-022-00141-4

Artigo com colaboração da Rede Genômica Fiocruz traz dados sobre a circulação do coronavírus SARS-CoV-2 em comunidade de baixa-renda da cidade do Rio de Janeiro

Entender como uma pandemia respiratória como a da COVID-19 se espalha entre pessoas de diferentes recortes socioeconômicos é importante não apenas para avaliar a infectividade da doença em si, mas também a eficácia de medidas de contenção como o distanciamento e a vacinação. Especialmente em comunidades vivendo em situação de vulnerabilidade social, onde há menos atenção de esforços globais de pesquisa e onde muitas vezes o distanciamento social não é uma opção devido à insegurança alimentar e de trabalho, acumulam-se questões importantes sobre como formular melhores políticas públicas de forma a atender e proteger estas pessoas durante crises sanitárias similares.

O trabalho de pesquisa que levou a esta publicação, com participação de membros da Rede Genômica Fiocruz, foi direcionado a entender como o vírus se espalhou entre diferentes faixas etárias em uma comunidade de baixa renda no Rio de Janeiro. Para tanto, amostras de swab de orofaringe foram coletadas de 2.501 voluntários de 718 famílias que foram convidadas a participar do estudo ao levar crianças para serem atendidas por serviços de saúde primária como vacinações de rotina e outros cuidados preventivos. Estes 2.501 voluntários tiveram amostras colhidas periodicamente durante o intervalo de tempo entre Maio de 2020 e Novembro de 2021, o que permitiu acompanhar a densidade de casos na localidade, que forneceu uma série de respostas à pesquisa: a densidade da incidência de infecções durante a primeira onda ´epidêmica foi de duas a três vezes maior do que a de ondas posteriores; em todas as ondas epidêmicas a incidência em crianças foi mais baixa do que em pessoas mais velhas, exceto para pessoas idosas em ondas posteriores, quando o patamar de 90% de vacinação para este grupo foi atingido mas não para faixas etárias mais jovens; além disso, apenas na primeira onda pandêmica houve uma associação entre a incidência da doença e a aglomeração das famílias em suas casas.

Pesquisas como estas podem ajudar a estabelecer diretrizes para atender a populações vulneráveis em outras localidades e países, além de fornecer dados sobre a eficácia de campanhas de vacinação e também planejar campanhas futuras. Por exemplo, a incidência relativamente alta em adultos jovens pode indicar a necessidade de uma maior atenção também a esta faixa etária durante fases de distribuição de imunizantes.

Carvalho, M. S., Bastos, L. S., Fuller, T., Cruz, O. G., Damasceno, L., Calvet, G., … & Brasil, P. (2022). Incidence of SARS-CoV-2 over four epidemic waves in a low-resource community in Rio de Janeiro, Brazil: A prospective cohort study. The Lancet Regional Health-Americas, 12, 100283.

DOI: https://doi.org/10.1016/j.lana.2022.100283

Carta ao editor escrita por pesquisador da Rede Genômica aprofunda o debate sobre os contextos de aplicação de testes rápidos

Recentemente, um grupo de pesquisa situado no Canadá publicou um artigo no qual concluiu que a taxa de falsos-positivos em testes rápidos de detecção do SARS-CoV-2 por antígeno era baixa (apenas 0,05%, ou seja, 5 testes em cada 10 mil resultariam em um falso positivo). Em carta aos editores do periódico JAMA, onde o artigo originalmente foi publicado, um pesquisador do Instituto Aggeu Magalhães (Fiocruz/PE) vinculado à Rede Genômica Fiocruz traz considerações quanto às implicações deste artigo, especialmente levando em conta questões da metodologia adotada e dos potenciais riscos da adoção das recomendações feitas em outros contextos epidemiológicos ou utilizando outros testes.

A carta argumenta que a maneira como o artigo apresenta a informação possui lacunas, especialmente no que diz respeito a informar todos os testes rápidos utilizados para a análise de precisão, uma vez que apenas um fabricante foi citado pelos pesquisadores (teste PanBio). O pesquisador da Rede Genômica ressalta ainda que, apesar da baixa taxa de falsos positivos entre todos os testes aplicados, quando se considera apenas os testes com resultado positivo — ou seja, se excluem da estatística os resultados negativos — o número de falsos positivos aumenta para 46 em cada 100. O número razoavelmente alto de falsa positividade neste contexto não apenas reduz a confiabilidade dos testes, como também pode levar pessoas saudáveis a necessitar de isolamento e passar pelo estresse e preocupação associados a um resultado positivo para o novo coronavírus. Esta alta taxa de falso positivo se dá devido a amostragem utilizada, de pessoas assintomáticas (grupo de baixa incidência da doença). Isso não reduz a importância do uso desses testes, mas reforça a recomendação da OMS de confirmar por PCR resultados positivos em populações de baixa incidência.

Além de contribuir para um debate acadêmico orgânico e em constante revisão, esta carta acrescenta novos ângulos a se considerar no que diz respeito a políticas de testagem e prevenção, bem como seus impactos para a vida da população e para a vigilância de doenças de maneira geral.

Bezerra M. F. (2022) Rapid Antigen Tests for SARS-CoV-2. JAMA, ;327(19):1925–1926.
DOI: https://doi.org/10.1001/jama.2022.4466

Análise de mais de 11 mil genomas do SARS-CoV-2, conduzida por pesquisadores da Rede Genômica Fiocruz, desvenda a história evolutiva das linhagens P.2 e Gama

Dois eventos importantes marcaram os rumos da pandemia de COVID-19 no que diz respeito ao território brasileiro. Estes eventos consistem no surgimento da variante P.2 durante a segunda metade de 2020, e sua posterior substituição pela VOC Gama no início de 2021. Entender como se deram o surgimento e o espalhamento acelerado destas duas variantes é importante para o desenvolvimento de estratégias de contenção no caso de ocorrência de eventos similares.

O artigo aqui resumido é resultado da análise de 11.724 genomas do SARS-CoV-2 extraídos de amostras brasileiras (Setembro de 2020 até Abril de 2021) para reconstruir a história evolutiva e padrões de dispersão das linhagens P.2 e VOC Gama. Estas análises indicam que a linhagem P.2 provavelmente emergiu em Julho de 2020, no estado do Rio de Janeiro, enquanto a Gama apareceu no estado do Amazonas em Novembro de 2020. Após o surgimento nos respectivos estados, ambas as linhagens virais se disseminaram pelo país, mantendo os estados de origem como epicentros de sua disseminação. O artigo também estimou a transmissibilidade da VOC Gama e P.2, chegando à conclusão de que, no Rio de Janeiro (onde os dados genéticos disponíveis permitiram a comparação direta das duas), Gama se mostrou entre 1,6 a 3 vezes mais transmissível do que a P.2.

Os resultados do artigo dão suporte à hipótese de que a VOC Gama tem uma transmissibilidade maior e espalhou-se mais rapidamente do que a P.2 no território brasileiro, o que gerou o cenário de substituição de linhagens observado pela vigilância genômica no país.

Gräf, T., Bello, G., Naveca, F. G., Gomes, M., Oikawa Cardoso, V. L., Freitas da Silva, A., Dezordi, F. Z., Dos Santos, M. C., de Oliveira Santos, K. C., Rocha Batista, É. L., Magalhães, A., Vinhal, F., Miyajima, F., Faoro, H., Khouri, R., Wallau, G. L., Delatorre, E., Siqueira, M. M., & Resende, P. C. (2022). Phylogenetic-based inference reveals distinct transmission dynamics of SARS-CoV-2 lineages Gamma and P.2 in Brazil. iScience, 104156.

DOI: https://doi.org/10.1016/j.isci.2022.104156

Pesquisa com colaboração da Rede Genômica Fiocruz expande a compreensão sobre o ciclo do novo coronavírus da entrada em uma célula hospedeira até a eliminação de novas partículas virais

O desenvolvimento de terapias antivirais — ou seja, medicamentos que impeçam que um determinado vírus complete seu ciclo e progrida a infecção e contágio — depende de um entendimento detalhado dos processos que o vírus desencadeia ao infectar uma célula hospedeira. Isso inclui entender as estruturas envolvidas em cada etapa e a sequência de eventos que acontecem na célula, da entrada do vírus à construção e liberação de novas partículas virais pelo maquinário celular infectado.

O artigo resumido neste texto tem o objetivo de preencher algumas dessas lacunas no conhecimento, importantes para que se possa pensar e investigar a ação de fármacos com o potencial de bloquear uma ou mais etapas do ciclo do vírus, protegendo pacientes de pioras no quadro e, eventualmente, impedindo ou reduzindo drasticamente as chances de espalhamento do vírus. Os grupos de pesquisadores envolvidos — incluindo membros da Rede Genômica Fiocruz — estudaram a replicação do vírus em culturas de uma linhagem celular rotineiramente utilizada para pesquisas (Vero-E6) e utilizaram técnicas de microscopia eletrônica e modelagem 3D para construir modelos detalhados da “trajetória” do vírus em uma célula hospedeira.

As alterações celulares observadas no artigo, assim como o detalhamento das estruturas moleculares envolvidas — por exemplo, proteínas virais — podem embasar o desenvolvimento de terapias futuras voltadas para o SARS-CoV-2 ou mesmo para outros eventuais coronavírus.

Barreto-Vieira, D. F., da Silva, M., de Almeida, A., Rasinhas, A., Monteiro, M. E., Miranda, M. D., Motta, F. C., Siqueira, M. M., Girard-Dias, W., Archanjo, B. S., Bozza, P. T., L Souza, T. M., Gomes Dias, S. S., Soares, V. C., & Barth, O. M. (2022). SARS-CoV-2: Ultrastructural Characterization of Morphogenesis in an In Vitro System. Viruses, 14(2), 201.

DOI: https://doi.org/10.3390/v14020201

Ferramenta de bioinformática desenvolvida por pesquisadores da Rede Genômica permite detecção de infecção simultânea por duas ou mais variantes do SARS-CoV-2

Com o espalhamento de diferentes variantes do novo coronavírus — vírus pertencentes à mesma espécie, mas com genéticas diferentes por terem histórias evolutivas distintas — é possível que numa mesma região estejam circulando duas ou mais destas variantes ao mesmo tempo. Pessoas nessas localidades podem estar expostas e, em alguns casos, simultaneamente infectadas por linhagens diferentes do vírus causador da COVID-19.

A detecção deste tipo de caso é dificultada pelo fato de que necessita de uma análise detalhada das sequências genômicas obtidas pelo processo de sequenciamento. Isto significa um aprofundamento no que chamam de “dados brutos”, que conterão informações sobre possíveis diferenças de sequências do genoma. A análise dos dados brutos aponta se há uma diversidade de genomas na amostra sequenciada compatível com a presença de duas variantes distintas, ao invés de uma variante única. O artigo resumido aqui testou um método de avaliação destas diferenças dentro de uma única amostra, chamada aqui de “diversidade intra-hospedeiro”, para tentar detectar possíveis eventos de coinfecção em um conjunto de dados referente a 1462 amostras clínicas positivas para presença do SARS-CoV-2. O método testado é parte da plataforma de ferramentas bioinformáticas ViralFlow, desenvolvida por um aluno de doutorado do Instituto Aggeu Magalhães, em colaboração com outros pesquisadores do Instituto, membros da Rede Genômica Fiocruz.

Neste grande conjunto de dados, nove casos suspeitos de coinfecção foram encontrados. O artigo discute ainda algumas das características das amostras que permitem uma maior confiança na possibilidade de coinfecções, além de ter cruzado os dados das nove amostras suspeitas com informações sobre a circulação de variantes compatíveis na localidade e época de origem das amostras. Em todos os nove casos, era plausível que os pacientes tivessem sido expostos aos dois perfis de vírus. O artigo conclui que eventos de coinfecção são raros, mas de relevância para a vigilância epidemiológica por representarem uma janela de oportunidade para o surgimento de recombinantes — fruto de uma combinação entre os genomas de duas variantes diferentes — além de poder identificar variantes de preocupação que possam estar circulando em baixa frequência.

Dezordi, F. Z., Resende, P. C., Naveca, F. G., do Nascimento, V. A., de Souza, V. C., Dias Paixão, A. C., Appolinario, L., Lopes, R. S., da Fonseca Mendonça, A. C., Barreto da Rocha, A. S., Martins Venas, T. M., Pereira, E. C., Paiva, M., Docena, C., Bezerra, M. F., Machado, L. C., Salvato, R. S., Gregianini, T. S., Martins, L. G., Pereira, F. M., … Wallau, G. L. (2022). Unusual SARS-CoV-2 intrahost diversity reveals lineage superinfection. Microbial genomics, 8(3), 10.1099/mgen.0.000751.

DOI: https://doi.org/10.1099/mgen.0.000751

Artigo da Rede Genômica relata o isolamento do SARS-CoV-2 de uma placenta e traz mais informações sobre os riscos do vírus para a gestação

O impacto da COVID-19 na saúde de gestantes, embora conhecido, ainda traz uma série de lacunas ao conhecimento científico, especialmente no que diz respeito ao risco aumentado à saúde fetal. Especialmente ao se levar em conta que eventos anteriores de transmissão de coronavírus em populações humanas (como o SARS-CoV-1 e o MERS-CoV) demonstraram uma capacidade do vírus de causar infecção na placenta, com potencial prejuízo para o desenvolvimento fetal, a necessidade de melhor entender esta relação para o SARS-CoV-2 ganha ainda mais importância. Esta necessidade torna-se ainda mais evidente diante de dados do primeiro ano de pandemia que sugerem um risco de 2% de abortos espontâneos, além de outras complicações como restrição do crescimento (10%) e nascimento prematuro (39%).

A presente publicação da Rede Genômica Fiocruz traz um relato de caso de aborto espontâneo ocorrido após a infecção de uma gestante não-vacinada. Neste caso, foi possível isolar da placenta partículas virais viáveis (ou seja, capazes de gerar infecção, e indicativas da proliferação do vírus no tecido placentário), mas não foram encontrados indícios de uma infecção direta do feto. A amostra da placenta, após a extração do material genético e a realização dos protocolos de sequenciamento e análise do genoma, teve confirmada a presença de uma amostra pertencente à variante Gama (P.1) do novo coronavírus.

Este caso reforça a importância de evitar o contágio de gestantes pelo SARS-CoV-2, através da imunização e de medidas não-farmacológicas como o distanciamento social. Adicionalmente ao risco à gestação, a publicação também comenta algumas medidas para a proteção da saúde de gestantes em caso de infecção pelo causador da COVID-19: isolamento inicial, terapia com oxigênio, manejo na tentativa de evitar sobrecarga de fluidos, uso de antibióticos para prevenir infecção bacteriana secundária, monitoramento de contrações e da saúde do fetal e ventilação mecânica precoce em casos de falha respiratória progressiva.

Fernandez, Z., Lichs, G., Zubieta, C. S., Machado, A. B., Ferreira, M. A., Valente, N., Keren, T., Arantes, I., Nacife, V., Pereira, E. C., Appolinario, L., Lacerda, T., Siqueira, M. M., Esposito, A., Demarchi, L., Zardin, M., Goncalves, C., Maziero, L., Miziara, L., Naveca, F. G., … Favacho, A. (2022). Case Report: SARS-CoV-2 Gamma Isolation From Placenta of a Miscarriage in Midwest, Brazil. Frontiers in medicine, 9, 839389.

DOI: https://doi.org/10.3389/fmed.2022.839389

Pesquisa da Rede Genômica Fiocruz compreende mecanismos por trás do rápido espalhamento de linhagens derivadas da Variante Gama do Novo Coronavírus

Após a segunda onda de contágio pelo SARS-CoV-2 no Brasil, marcada pelo surgimento e ampla disseminação da variante Gama (P.1), uma das preocupações da comunidade científica era com possíveis resultados da continuidade do processo evolutivo desta VOC. Mais especificamente, a possibilidade do surgimento de novos mecanismos que tornassem amostras derivadas da Gama mais transmissíveis, infectivas ou mais eficazes no processo de escape da ação de anticorpos neutralizantes reforçaram a importância da vigilância continuada da Gama e variantes derivadas.

O presente trabalho, resultado do processo de editoração e revisão independente dos dados anteriormente apresentados na forma de preprint, é derivado da análise dos genomas de 1188 amostras do SARS-CoV-2, a maioria das quais (99,7%) pertencentes à VOC gama. Houve um aumento expressivo da prevalência das amostras chamadas de “Gama +” — ou seja, aquelas que acumulam mutações adicionais em comparação com as amostras classificadas inicialmente como Gama, como fruto do processo evolutivo com a fixação dessas novas mutações. Uma destas variações da Gama, a chamada Gama+N679K, representa 76,9% das amostras analisadas referentes a Junho-Julho de 2021. O trabalho discute ainda a importância biológica de algumas das mutações encontradas, como as deleções no domínio da proteína S chamado NTD (que dificultam a neutralização pelos anticorpos produzidos pelo organismo em resposta a uma infecção ou vacinação) e mudanças na estrutura de outra região da proteína S, a junção S1/S2, que têm potencial — ainda em estudo pelos pesquisadores — de levar a uma maior infectividade devido a uma afinidade maior com o mecanismo molecular que permite ao vírus fundir seu envelope à membrana das células e iniciar a invasão celular (furina).

Estas amostras derivadahttp://www.genomahcov.fiocruz.br/glossario/#infografico-infeccaos da Gama, denominadas P.1.3, P.1.4, P.1.5, P.1.6, P.1.7 e P.1.8, embora estejam em um processo de expansão que pode torná-las mais prevalentes dentro da linhagem do que a Gama originária, e apesar de possuírem uma aparente maior transmissibilidade, não parecem ser mais eficazes na capacidade de escapar da ação de anticorpos — ou seja, causar reinfecções e/ou infectar pessoas previamente vacinadas. O artigo da Rede Genômica Fiocruz traz ainda o lembrete de que, enquanto o SARS-CoV-2 se espalha na população, o risco de selecionar novas variantes com maior infectividade deve aumentar.

Naveca, F. G., Nascimento, V., Souza, V., Corado, A. L., Nascimento, F., Silva, G., Mejía, M., Brandão, M. J., Costa, A., Duarte, D., Pessoa, K., Jesus, M., Gonçalves, L., Fernandes, C., Mattos, T., Abdalla, L., Santos, J. H., Martins, A., Chui, F. M., Val, F. F., Melo, G. C., Xavier, M. S., Sampaio, V. S., Mourão, M. P., Lacerda, M. V., Batista, E. L. R., Magalhães, A. L. A., Dábilla, N., Pereira, L. C. G., Vinhal, F., Miyajima, F., Dias, F. B. S., Santos, E. R., Coêlho, D., Ferraz, M., Lins, R., Wallau, G. L., Delatorre, E., Gräf, T., Siqueira, M. M., Resende, P. C., & Bello, G. (2022). Spread of Gamma (P.1) Sub-Lineages Carrying Spike Mutations Close to the Furin Cleavage Site and Deletions in the N-Terminal Domain Drives Ongoing Transmission of SARS-CoV-2 in Amazonas, Brazil. Virology.

DOI: 10.1128/spectrum.02366-21

Estudo internacional com participação de membros da Rede Genômica Fiocruz desvenda parte dos mecanismos envolvidos na capacidade da Variante Ômicron de causar reinfecção e infectar pessoas vacinadas

A Variante de Preocupação Ômicron (B.1.1.529) trouxe uma grande expansão mundial dos contágios pelo SARS-CoV-2, mesmo em países onde a imunização contra o vírus já estava avançada. Para compreender como a coleção de mutações da Glicoproteína S da Ômicron leva ao escape da resposta imunológica, um esforço internacional de pesquisa que incluiu cientistas da Rede Genômica Fiocruz analisou as estruturas de proteínas, além da neutralização da capacidade de causar infecção ao expôr amostras da Ômicron a diferentes preparados contendo anticorpos como: 1) o soro de pacientes infectados com outras amostras do vírus; 2) os chamados “anticorpos monoclonais” selecionados em laboratório; e 3) o soro de pessoas vacinadas.

O presente artigo, fruto desta colaboração para o estudo de múltiplos fatores envolvidos no escape da resposta imune apresentado pela Ômicron, demonstrou que a nova variante é quase 17 vezes mais resistente à neutralização pelos anticorpos gerados em resposta a uma linhagem da primeira onda da pandemia. O estudo mostra ainda que um esquema vacinal de três doses aumenta consideravelmente a resposta ao vírus, incluindo a neutralização da variante Ômicron, que não era suficiente apenas com duas doses do imunizante. O artigo mostra ainda que a estrutura de porções da Glicoproteína S da Ômicron estão envolvidas em “compensar” a ação de anticorpos através de uma ligação mais forte à ACE2, molécula que atua como receptor viral nas células humanas.

Dejnirattisai, W., Huo, J., Zhou, D., Zahradník, J., Supasa, P., Liu, C., Naveca, F. G., Nascimento, V., Nascimento, F., Costa, C. F., Resende, P. C., Pauvolid-Correa, A., Siqueira, M. M., … & Screaton, G. R. (2022). SARS-CoV-2 Omicron-B. 1.1. 529 leads to widespread escape from neutralizing antibody responses. Cell.

DOI: https://doi.org/10.1016/j.cell.2021.12.046

Ferramenta bioinformática inovadora criada por pesquisadores do Instituto Aggeu Magalhães vinculados à Rede Genômica Fiocruz permite centralizar diversas análises de genomas virais em um único software

Com a pandemia do novo coronavírus e o surgimento de variantes com características diferentes, a comunidade científica internacional se colocou diante de um desafio: como estudar o vírus, seu espalhamento e sua evolução em escala mundial? Uma série de ferramentas para análise de diferentes dados relacionados a pandemia vem sendo desenvolvidas para permitir que cientistas de todo o mundo estudem o vírus causador da COVID-19. Dentre os grandes desafios, a análise de dados de sequenciamento de genomas virais obtidos de amostras de pacientes são essenciais na detecção de novas variantes e para a compreensão das mutações relevantes para a saúde pública.

Múltiplas ferramentas já foram desenvolvidas para análise de sequências genéticas para a automatização do processo de classificação em linhagens e para a detecção de mutações. Ainda assim, não há uma ferramenta que centralize a análise de qualidade, montagem de genomas e classificação das linhagens, descrição de mutações e a análise intra-hospedeiro de variantes (para detectar quando uma pessoa está infectada com duas ou mais variantes de uma vez). Deste modo, grupos de pesquisa têm de trabalhar de forma descentralizada com diferentes ferramentas para obter e analisar as sequências. Este modo de trabalho baseado em ferramentas dispersas consome tempo e exige que grupos de pesquisa invistam no treinamento para utilização de vários serviços. Além disso, em casos em que um mesmo paciente está infectado com duas ou mais variantes, a separação e a montagem dos genomas não é possível através destas ferramentas.

O presente artigo, publicado no periódico internacional Viruses, apresenta uma ferramenta desenvolvida por pesquisadores da Rede Genômica Fiocruz, para centralizar em um único pacote de funcionalidades e análises complexas como as descritas acima, de maneira econômica em termos de tempo despendido, permitindo a emissão de relatórios e tabelas de dados com base nos resultados de sequenciamento. Esta ferramenta, chamada de ViralFlow, automatiza vários processos importantes para a vigilância genômica e oferece uma plataforma para que pesquisadores possam estudar múltiplos aspectos de amostras do SARS-CoV-2 de forma centralizada e ágil.

Dezordi, F. Z., Neto, A. M. D. S., Campos, T. D. L., Jeronimo, P. M. C., Aksenen, C. F., Almeida, S. P., … & Fiocruz COVID-19 Genomic Surveillance Network. (2022). ViralFlow: A versatile automated workflow for SARS-CoV-2 genome assembly, lineage assignment, mutations and intrahost variant detection. Viruses14(2), 217.

DOI: https://doi.org/10.3390/v14020217

Artigo de pesquisadores da Rede Genômica Fiocruz é publicado em uma das maiores revistas científicas do mundo, e reconstrói as dinâmicas de variantes no estado do Amazonas e o surgimento da Variante Gama

Dentre as 27 Unidades Federativas brasileiras, o estado do Amazonas foi uma das mais afetadas pela presente pandemia do novo coronavírus, com a ocorrência de uma segunda onda ao final de 2020 na qual um grande número de casos graves levou a um colapso no sistema de saúde. O artigo, publicado em um dos mais relevantes periódicos científicos do mundo, a revista Nature, é resultado da análise do genoma completo de 250 amostras do SARS-CoV-2 coletadas no Amazonas entre março de 2020 e janeiro de 2021, e descreve a dinâmica de sucessões de linhagens dominantes no estado. O artigo havia sido anteriormente publicado como pré-print, e agora passou pela editoração e revisão por pares, que confere mais segurança às suas conclusões.

A publicação apresenta dados que embasam as hipóteses de que a linhagem responsável pela maioria dos casos no primeiro momento da pandemia (entre março e maio de 2020) foi a B.1.195, de que esta foi suplantada pela B.1.1.28, que tornou-se a linhagem dominante no estado entre maio e dezembro de 2020, e de que em dezembro o surgimento de uma variante da B.1.1.28, denominada P.1 e dotada de maior transmissibilidade, foi responsável pela nova ascensão no número de casos e mortes. Desta forma, a dinâmica local de surgimento de novas genéticas virais foi uma importante força-motriz para a forma com a qual a pandemia avançou sobre o estado do Amazonas, influenciada diretamente pela circulação da população e sua relação com o espalhamento do vírus, que culminou com a substituição da B.1.1.28 por sua descendente, a variante de preocupação P.1, em um processo que acredita-se ter durado menos de dois meses.

Naveca FG, Nascimento V, de Souza VC, Corado AL, Nascimento F, Silva G, Costa Á, Duarte D, Pessoa K, Mejía M, Brandão MJ, Jesus M, Gonçalves L, da Costa CF, Sampaio V, Barros D, Silva M, Mattos T, Pontes G, Abdalla L, Santos JH, Arantes I, Dezordi FZ, Siqueira MM, Wallau GL, Resende PC, Delatorre E, Gräf T, Bello G. COVID-19 in Amazonas, Brazil, was driven by the persistence of endemic lineages and P.1 emergence

DOI: 10.1038/s41591-021-01378-7

Pesquisadores da Rede Genômica Fiocruz criam protocolo para sequenciamento que permite a identificação de algumas alterações-chave no genoma do SARS-CoV-2 a custos menos elevados

Em face da atual pandemia enfrentada pela humanidade, o uso de técnicas de sequenciamento genético de nova geração tem sido uma das principais estratégias para a vigilância epidemiológica do novo coronavírus. O sequenciamento de nova geração tem permitido a rápida identificação de novas variantes do vírus e o agrupamento de amostras em linhagens definidas por características em comum e origem genética compartilhada. Adicionalmente, este tipo de sequenciamento propicia a análise de mutações encontradas para a compreensão de suas consequências para a corrida evolutiva que determina inúmeros aspectos da pandemia. Em contrapartida às possibilidades proporcionadas pelo sequenciamento de nova geração, o custo elevado dos equipamentos e insumos necessários para sua realização, a necessidade de pessoal técnico devidamente treinado inviabilizam que regiões mais afastadas e países com menores possibilidades de investimento em pesquisa consigam manter o uso desta técnica em longo prazo. Especialmente quando há necessidade de importação de insumos como reagentes e kits, o risco de períodos de “blecaute” na vigilância epidemiológica é elevado, o que evidencia a importância do desenvolvimento de alternativas de menor custo e maior facilidade de implementação. Técnicas alternativas com essas características garantem maiores possibilidades de sustentar um monitoramento continuado das amostras que circulam em uma determinada localidade, o que é vital para o desenvolvimento de estratégias de enfrentamento.

A presente publicação — resultado da revisão por pares de um artigo anteriormente publicado como pre-print — apresenta uma alternativa baseada no sequenciamento de Sanger de um único fragmento de PCR (725 pares de base), capaz de detectar as principais mutações na glicoproteína Spike (proteína S) e classificar as amostras como pertencentes às principais variantes circulantes no Brasil. A técnica foi testada em doze amostras positivas, com resultados que permitem ter segurança de que o uso do sequenciamento de Sanger para investigar este fragmento de PCR pode evitar um “blecaute” de monitoramento. Apesar do uso da técnica acarretar em perda de informação quando comparada ao sequenciamento do genoma completo das amostras, ter maneiras confiáveis mais baratas de monitorar as variantes traz uma importante robustez para o monitoramento epidemiológico no Brasil e em outros países com desafios socioeconômicos similares.

Bezerra, M. F., Machado, L. C., De Carvalho, V. D. C. V., Docena, C., Brandão-Filho, S. P., Ayres, C. F. J., … & Wallau, G. L. A Sanger-based approach for scaling up screening of SARS-CoV-2 variants of interest and concern

DOI: 10.1016/j.meegid.2021.104910

Variantes de Preocupação do Novo Coronavírus possuem mutações que diminuem a efetividade dos anticorpos, permitindo reinfecções

O rápido espalhamento das novas variantes do novo coronavírus SARS-CoV-2, como exemplificado pela alta prevalência da variante P.1 ainda nos dois primeiros meses após seu surgimento, junto a relatos de reinfecção causada por estas variantes, levanta para a ciência a questão de quais seriam os mecanismos por trás deste cenário. É de especial interesse para estas pesquisas o estudo das mutações no genoma das variantes — em particular, no gene da glicoproteína Spike (proteína S), que promove a entrada nas células humanas a partir da interação com a Enzima Conversora de Angiotensina 2 (hACE2), molécula que atua como receptor do vírus. A capacidade de se ligar à hACE2 pode tornar-se maior ou menor de acordo com as alterações na estrutura da proteína S, que variam entre linhagens do SARS-CoV-2 e cada uma de suas variantes. Essas alterações na estrutura da proteína S podem também resultar em uma menor capacidade de anticorpos gerados em resposta a uma infecção — ou, possivelmente, mesmo após a vacinação — de se ligarem à proteína S e neutralizar a capacidade do vírus de causar infecção.

A presente publicação investiga estes dois possíveis efeitos das mutações da proteína S detectadas em variantes como a P.1, variantes da linhagem B.1.351 e a B.1.1.7: a de uma interação “mais forte” com o receptor hACE2 ou a de uma interação “mais fraca” com os anticorpos anti-proteína-S. A publicação é resultado do processo completo de editoração, com revisão por pesquisadores independentes, do pré-print publicado inicialmente por pesquisadores da rede em março de 2021. O artigo descreve uma série de experimentos feitos com modelagem computacional das moléculas envolvidas (hACE2, anticorpos e as diversas “versões” da proteína S, referentes a cada uma das variantes estudadas).

Com base na simulação computacional da interação entre as moléculas, foi possível verificar que a alteração da estrutura da proteína S não teve efeitos marcantes na interação com o receptor hACE2. Por outro lado, ao simular a interação dos anticorpos gerados em resposta a linhagens iniciais do SARS-CoV-2 com a proteína S das novas variantes, foi possível ver que há uma diminuição na ligação entre as moléculas, um achado que aponta para um potencial de “escape” da resposta imune. Segundo essa hipótese, as novas variantes seriam mais eficazes em fugir da neutralização proporcionada por anticorpos, e este seria um mecanismo mais relevante para explicar seu rápido espalhamento pela população. É importante ressaltar que, baseados em algumas medidas de afinidade entre variações da proteína S e o receptor hACE2,  outros grupos de pesquisa previamente sugeriram que o aumento da transmissibilidade estaria relacionado com uma maior afinidade entre a proteína viral e o receptor humano, em contraste com os resultados do presente estudo. Contudo, estes estudos não exploraram a interação das diferentes proteínas S com os anticorpos neutralizantes. O artigo aponta ainda a nova variante denominada P.3 como uma potencial Variante de Preocupação (VOC), tendo em vista que a maioria dos anticorpos analisados no estudo não foram capazes de se ligar eficientemente à proteína S desta linhagem nas simulações realizadas.

Ferraz MVF, Moreira EG, Coêlho DF, Wallau GL, Lins RD. Immune Evasion of SARS-CoV-2 Variants of Concern is Driven by Low Affinity to Neutralizing Antibodies

DOI: 10.1039/D1CC01747K

Cooperação internacional de pesquisa foca-se em desvendar como se comporta o novo coronavírus na fronteira entre o Brasil e o Uruguai

Apesar de ter conseguido controlar o espalhamento do novo coronavírus — sendo um dos poucos países nas Américas a obter sucesso na contenção da pandemia — a proximidade com o Brasil apresenta um risco ao Uruguai. A alta mobilidade entre as fronteiras aliada à situação do Brasil como um dos piores países do mundo em número de casos e fatalidades são fatores que podem levar a múltiplas introduções do vírus ao Uruguai, além de propiciar a chegada de variantes mais contagiosas ao país.

O presente trabalho, resultado da revisão independente e editoração de um pre-print previamente publicado, relata os resultados da vigilância epidemiológica em cidades uruguaias interioranas na região fronteiriça com o Brasil e a reconstrução dos eventos de disseminação do SARS-CoV-2 no sentido Brasil-Uruguai. Utilizando genomas de 54 amostras do novo coronavírus colhidas em cidades uruguaias e 68 amostras brasileiras do Rio Grande do Sul, grupos de pesquisa de 15 instituições dos dois países conseguiram reconstruir um panorama caracterizado por múltiplas introduções de linhagens brasileiras da B.1.1.28 e da B.1.1.33 em cidades uruguaias fronteiriças. As cepas introduzidas no país provavelmente eram provenientes do estado brasileiro do RS, e começaram a circular localmente nestas cidades em menos de três meses (entre o início de maio, quando provavelmente ocorreram os primeiros eventos, e o meio de julho). Foi possível ainda constatar que as cepas que causaram surtos no Uruguai possuíam entre 4 e 11 alterações genéticas quando comparadas às cepas ancestrais brasileiras B.1.1.28 e B.1.1.33, o que dá suporte à ideia de que o genoma do novo coronavírus parece acumular mutações muito rapidamente em seu espalhamento rápido pela América do Sul.

Além de ser o primeiro estudo com dados de genômica focados nesta região, o estudo também evidencia que surtos causados nesta região interiorana decorreram da introdução de vírus a partir do Brasil, em contraste aos surtos em regiões metropolitanas do ano de 2020, associados a introduções do vírus a partir da Europa.

Mir, D., Rego, N., Resende, P. C., Tort, F., Fernández-Calero, T., Noya, V., Brandes, M., Possi, T., Arleo, M., Reyes, M., Victoria, M., Lizasoain, A. Castells, M., Maya, L., Salvo, M., Gregianini, T. S., Rosa, M. T. M., Martins, L. G., Alonso, C., Vega, Y., Salazar, C., Ferrés, I., Smircich, P., Silveira, J. S., Fort, R. S., Mathó, C., Arantes, I., Appolinario, L., Mendonça, A. C., Benítez-Galeano, M. J., Simoes, C., Graña, M., Motta, F., Siqueira, M. M., Bello, G., Colina, R. & Spangenberg, L.. Recurrent Dissemination of SARS-CoV-2 Through the Uruguayan–Brazilian Border

DOI: 10.3389/fmicb.2021.653986

Como o Novo Coronavírus circula entre nossos animais de estimação?

O novo coronavírus SARS-CoV-2, causador da pandemia atualmente enfrentada pela humanidade em escala global, se adaptou ao organismo humano e tornou-se capaz de causar a doença e ser transmitido de pessoa a pessoa, mas sua origem primária se dá em populações de morcegos asiáticos. Adicionalmente, acredita-se que outra espécie de mamífero intermediária esteve envolvida, tendo ocorrido primeiro uma adaptação do morcego para este outro mamífero, a partir do qual o vírus acumulou novas mutações e “saltou” para a espécie humana (fenômeno também chamado de infecção por transbordamento). Desta forma, investigar a capacidade do SARS-CoV-2 de causar infecção e circular entre outras espécies animais, em especial aquelas que vivem em maior proximidade com o ser humano, como cães e gatos domésticos, torna-se uma questão de pesquisa importante: não apenas pode-se a partir desta vigilância monitorar os fatores de risco e impedir um possível “salto” adicional para estas outras espécies, como também entender o papel dos animais domésticos no espalhamento da epidemia.

O presente artigo, publicado no periódico de acesso livre PLOS One, investigou a presença de sintomas, RNA viral e anticorpos contra o SARS-CoV-2 em 29 cães e 10 gatos que moram com pacientes com histórico de COVID-19 na cidade do Rio de Janeiro. Destes, 9 cães (31%) e 4 gatos (40%), de 10 das 21 residências analisadas no estudo apresentaram sintomas de infecção ou foram soropositivos para o SARS-CoV-2. Foram coletadas amostras dos animais quinzenalmente, além de avaliados aspectos de sua condição de saúde, de forma a possibilitar uma estimativa do intervalo de tempo entre o primeiro caso confirmado de COVID-19 nos pacientes humanos e o primeiro teste positivo nos pets. Os animais testaram positivo entre 11 e 51 dias, em média, após os primeiros sintomas no paciente zero de cada residência. A coleta de mais de uma amostra permitiu também a identificação de três casos de cães que testaram positivo duas vezes (com intervalos de 14, 30 e 31 dias entre a primeira e a segunda testagem positiva), bem como a detecção de anticorpos em um cão (3,4% dos casos) e dois gatos (20%). Dos treze animais infectados ou soropositivos para o SARS-CoV-2, seis desenvolveram sintomas moderados da doença, mas seus quadros foram reversíveis.

Além de demonstrar que pets podem contrair o SARS-CoV-2, o estudo identificou entre possíveis fatores de risco que animais castrados têm maior chance de serem infectados por seus donos, assim como aqueles que dormem na mesma cama que os humanos. Isto permite a recomendação importante de que pessoas que testem positivo para o novo coronavírus evitem proximidade excessiva com seus animais de estimação.

Calvet, G. A., Pereira, S. A., Ogrzewalska, M., Pauvolid-Corrêa, A., Resende, P. C., Tassinari, W. D. S., … & Menezes, R. C. Investigation of SARS-CoV-2 infection in dogs and cats of humans diagnosed with COVID-19 in Rio de Janeiro, Brazil

DOI: 10.1371/journal.pone.0250853

Estudo com participação da Rede Genômica Fiocruz acompanha famílias em comunidade vulnerável para entender como a COVID-19 as afeta e como melhor prestar suporte na pandemia

Em países como o Brasil, onde a desigualdade socioeconômica é grande, resultando em possibilidades muito distintas no que diz respeito a habitação, rotinas de trabalho e acesso à saúde, um dos compromissos da comunidade científica é o de compreender como reduzir os potenciais riscos que as camadas mais vulneráveis enfrentam e garantir a estas pessoas e famílias a maior qualidade de vida possível. Frente a uma pandemia como a do SARS-CoV-2, entender como o vírus circula em famílias nesta condição socioeconômica, especialmente frente à impossibilidade de ficar em casa devido à necessidade de trabalhar presencialmente, que se apresenta a muitos dos membros de famílias de baixa-renda, é importante para desenhar políticas públicas de forma a proteger suas vidas.

Compreender a dinâmica do vírus em famílias residentes da favela de Manguinhos, no Rio de Janeiro, foi o objetivo primário de um estudo publicado com participação de membros da Rede Genômica Fiocruz. Para melhor entender como o vírus circulava entre famílias residentes na região, o time de pesquisa acompanhou 259 famílias, inscritas no estudo a partir de uma testagem ampla para detecção do SARS-CoV-2 em crianças atendidas pelos serviços de atenção primária em saúde. Ao todo, foram testadas 667 pessoas, incluindo 323 crianças, 54 adolescentes e 290 adultos, com novos testes após 1, 2 e 4 semanas, além de testes trimestrais posteriores.

As conclusões do estudo são de que as crianças tendem a ser contaminadas pelos adultos da família, e não o contrário. Das 323 crianças monitoradas, 45 (ou 13,9%) tiveram testes positivos ao longo do período do estudo. A infecção foi mais frequente em crianças com menos de um ano de idade (25% ou um quarto dos casos positivos) e, em segundo lugar, aquelas entre 11 e 13 anos de idade (21%). Nenhuma criança teve sintomas graves da COVID-19. Um ponto de atenção é que, entre aquelas que tiveram sintomas, ainda que leves, estava principalmente o grupo com mais de 14 anos (adolescentes), sugerindo que este grupo está em maior risco de desenvolver sintomas. Corroborando a hipótese de que as crianças não são fonte primária de infecção pelo vírus em suas famílias, todas as 45 que tiveram resultado positivo estiveram em contato próximo com algum membro adulto da família anteriormente, sugerindo que as pessoas mais velhas são o principal grupo de risco para contrair e espalhar o vírus para suas famílias.

Estas conclusões iniciais permitem pensar em estratégias para a proteção contra o contágio em famílias em situação socioeconômica análoga, com atenção para os grupos de adolescentes e adultos, que parecem ser mais sensíveis à infecção, com desenvolvimento de sintomas e posterior contágio de crianças e outros membros da família.

Lugon P, Fuller T, Damasceno L, Calvet G, Resende PC, Matos AR, Machado Fumian T, Malta FC, Salgado AD, Fernandes FCM, Abreu de Carvalho LM, Guaraldo L, Bastos L, Cruz OG, Whitworth J, Smith C, Nielsen-Saines K, Siqueira M, Carvalho MS, Brasil P. SARS-CoV-2 Infection Dynamics in Children and Household Contacts in a Slum in Rio de Janeiro.

Doi: 10.1542/peds.2021-050182

Estudo chega à conclusão inicial de que sintomas neurológicos associados à COVID-19 estão mais relacionados à inflamação do que à presença do vírus no Sistema Nervoso

A chegada de uma doença viral causada por um agente anteriormente desconhecido, como é o caso da COVID-19 causada pelo novo coronavírus SARS-CoV-2, apresenta uma série de desafios a grupos de pesquisa das mais diversas áreas. Dentre as muitas questões a serem respondidas está a multiplicidade de apresentações que esta nova doença pode ter em pacientes infectados — ou seja: em quais partes e tecidos do organismo este vírus é capaz de se replicar? Quais os efeitos dessa infecção em cada parte do corpo? Como é a linha do tempo da infecção e do aparecimento de sintomas?

O artigo aqui resumido, publicado por pesquisadores da Rede Genômica Fiocruz em colaboração com outros grupos de pesquisa da Fundação Oswaldo Cruz, visa entender melhor o acometimento neurológico enfrentado por alguns pacientes da COVID-19 quanto aos efeitos e detectabilidade do vírus e quanto à linha do tempo da infecção e dos sintomas no Sistema Nervoso Central (SNC).

Segundo os achados do trabalho, quando os sintomas neurológicos começam a se apresentar, o vírus já foi praticamente eliminado do SNC, estando indetectável no líquor dos pacientes mesmo com a aplicação da técnica altamente sensível de RT-PCR. Estes resultados permitem traçar a hipótese de que, ao chegar ao SNC de pacientes, o SARS-CoV-2 é eliminado pelo sistema imunológico em menos de 14 dias — tempo médio de surgimento dos primeiros sintomas neurológicos — sugerindo que quadros como a meningoencefalite, a síndrome de Guillain-Barré e a encefalomielite estariam mais associados, no contexto da COVID-19, com a resposta inflamatória desencadeada em resposta ao vírus.

Espíndola OM, Brandão CO, Gomes YCP, Siqueira M, Soares CN, Lima MASD, Leite ACCB, Torezani G, Araujo AQC, Silva MTT. Cerebrospinal fluid findings in neurological diseases associated with COVID-19 and insights into mechanisms of disease development.

Doi: 10.1016/j.ijid.2020.10.044

Relato de caso ressalta a importância de entender como a COVID-19 interagem com doenças tropicais negligenciadas

Entender como a COVID-19, causada pelo coronavírus SARS-CoV-2, interage com condições de saúde pré-existentes é de alta importância para que se compreendam quais são os grupos em maior risco, e como os mecanismos da COVID-19 podem afetar de maneira específica pessoas com condições pregressas de saúde. Especialmente ao se tratar da co-ocorrência da COVID-19 com doenças tropicais negligenciadas, entender como estes múltiplos fatores interagem é de suma importância para desenvolver estratégias para melhor proteger grupos de pessoas que, muitas vezes, estão em condição vulnerável, tanto socioeconômica quanto de nutrição, imunidade e saúde global.

O artigo aqui resumido traz o relato de caso de um paciente homem de 19 anos, com histórico pregresso de perda de peso e sinais de inflamação como linfonodos inchados e lesões de pele. O caso provou-se ser de uma infecção aguda por um fungo do gênero Paracoccidioides, grupo de fungos que costuma entrar no organismo pelas vias respiratórias e se instalar nos pulmões. O artigo descreve o tratamento e a evolução do quadro do paciente, mencionando também o manejo da COVID-19, que também havia acometido o jovem antes da internação, discutindo o quanto as lesões pulmonares da paracoccidioidomicose detectadas em exame de imagem mascararam a infecção pelo novo coronavírus, atrasando este diagnóstico.

O artigo discute o quanto a paracoccidioidomicose pode ser um fator de risco para a COVID-19, tanto por aumentar o risco de contração da doença quanto por um possível agravamento do quadro de saúde geral de pacientes, chamando atenção para a necessidade de se expandir este tipo de conclusão para outras doenças tropicais negligenciadas.

de Macedo, P. M., Freitas, D., Varon, A. G., Lamas, C., Ferreira, L., Freitas, A. D., Ferreira, M. T., Nunes, E. P., Siqueira, M. M., Veloso, V. G., & do Valle, A. (2020). COVID-19 and acute juvenile paracoccidioidomycosis coinfection.

Doi: 10.1371/journal.pntd.0008559

Artigo relata resultados iniciais de testes de um antirretroviral contra o novo coronavírus. Caso estes resultados sejam reproduzidos em testes com pacientes, o atazanavir pode vir a se tornar uma opção terapêutica no futuro.

Frente a uma pandemia respiratória como a causada pelo SARS-CoV-2, além da importância do desenvolvimento de vacinas para prevenir casos graves e reduzir a circulação do vírus na população, entender possíveis fármacos que possam auxiliar no manejo clínico de pacientes de forma a salvar vidas é de extrema importância. No caso do SARS-CoV-2, por se tratar de um vírus novo, há muitas questões a serem respondidas, e um dos caminhos que a pesquisa científica pode seguir é o teste de drogas antivirais que já se demonstraram eficazes contra outros coronavírus.

O artigo aqui resumido, publicado com co-autoria de participantes da Rede Genômica Fiocruz, o fármaco antirretroviral atazanavir (ATV) foi avaliado, ainda em fase inicial, como possível opção para o manejo da infecção pelo novo coronavírus. O racional por trás desta possibilidade terapêutica é exatamente o de que a principal protease do SARS-CoV-2, a Mpro, poderia ser inibida pelo atazanavir, de maneira similar à observada com a Mpro de outros coronavírus em resposta ao tratamento com outro antirretroviral de ação similar, o lopinavir. As equipes responsáveis pela condução da pesquisa testaram in vitro os efeitos do atazanavir sobre a ação da Mpro e sobre a replicação do novo coronavírus, observando que o ATV é capaz de se ligar e inibir a ação da proteína Mpro de maneira mais forte do que outros antivirais como o próprio lopinavir. Adicionalmente, o tratamento de culturas de célula com o ATV, sozinho ou em combinação com outro antirretroviral chamado ritonavir (RTV). inibiu a replicação do vírus, além de modular alguns elementos da resposta inflamatória (chamados de citocinas pró-inflamatórias) que tendem a ser exacerbadas em resposta ao vírus. Caso estes fenômenos também sejam observados em ensaios clínicos, isto significa que drogas como o atazanavir podem se tornar importantes para conter a replicação do vírus em um paciente (reduzindo assim a gravidade do quadro e, potencialmente, a transmissibilidade), assim como a inflamação no epitélio pulmonar, que é um dos fatores responsáveis pela gravidade da doença e também por parte das sequelas respiratórias de longo prazo após a recuperação da infecção.

Fintelman-Rodrigues N, Sacramento CQ, Ribeiro Lima C, Souza da Silva F, Ferreira AC, Mattos M, de Freitas CS, Cardoso Soares V, da Silva Gomes Dias S, Temerozo JR, Miranda MD, Matos AR, Bozza FA, Carels N, Alves CR, Siqueira MM, Bozza PT, Souza TML. Atazanavir, Alone or in Combination with Ritonavir, Inhibits SARS-CoV-2 Replication and Proinflammatory Cytokine Production

Doi: 10.1128/AAC.00825-20

A COVID-19 pode afetar animais de rua?

Uma importante questão de pesquisa, ao se tratar de epidemias ou pandemias causadas por vírus respiratórios como o SARS-CoV-2 causador da COVID-19, é entender como animais de meio urbano como cães e gatos domésticos se inserem na cadeia epidemiológica do vírus. Especialmente tendo em vista que o SARS-CoV-2 é fruto de adaptações de linhagens de coronavírus que circulavam entre outras espécies de mamíferos e depois tornaram-se capazes de se transmitir entre seres humanos, entender se esta expansão de hospedeiros possíveis também abarca animais como cães e gatos é importante para guiar medidas do poder público, de abrigos e ONGs de resgate de animais e da população em geral, especialmente se houver indícios de que estes animais podem se contaminar pelo vírus independente de viverem como animais de estimação em casas com pessoas infectadas.

O artigo científico aqui resumido, produzido com participação de membros da Rede Genômica Fiocruz e publicado em um dos periódicos acadêmicos de maior prestígio mundial, debruça-se sobre esta questão. Para entender como cães e gatos se inserem na cadeia de transmissão do novo coronavírus, os grupos de pesquisa envolvidos no estudo recolheram amostras clínicas na forma de swabs de orofaringe e amostras de sangue de 49 gatos (sendo 40 de estimação e 9 de rua) e 47 cães (sendo 42 de estimação e 5 de rua), na tentativa de detectar infecções ativas ou anticorpos contra o vírus, que indicariam uma infecção pregressa. Embora não tenham conseguido detectar o RNA do vírus nas amostras de orofaringe de nenhum animal, um cão e um gato, ambos de rua, tiveram resultado positivo para anticorpos contra o SARS-CoV-2.

Este achado inicial, embora baseado em um pequeno número de animais, é importante, uma vez que estudos anteriores haviam detectado sinais de contágio pelo vírus apenas em animais de estimação com contato confirmado com pessoas acometidas pela doença. Isto porque indica que a infecção de cães e gatos pode também ocorrer no meio urbano independente do convívio próximo com pacientes.

Dias, H. G., Resck, M. E. B., Caldas, G. C., Resck, A. F., Da Silva, N. V., Dos Santos, A. M. V., Sousa, T. C., Ogrzewalska, M. H., Siqueira, M. M., Pauvolid-Corrêa, A. & Dos Santos, F. B. (2021). Neutralizing antibodies for SARS-CoV-2 in stray animals from Rio de Janeiro, Brazil.

DOI: 10.1371/journal.pone.0248578

Artigo científico detalha as possibilidades de resposta à COVID-19 de países na América Latina e Caribe

Pandemias em escala global, como a da COVID-19 associada ao coronavírus SARS-CoV-2, exacerbam nos sistemas de saúde os efeitos da desigualdade socioeconômica mundial que afetam países com piores indicadores socioeconômicos. Além de terem menores possibilidades de detecção, caracterização e tratamento de casos da doença com sintomas moderados e graves, estes países enfrentam de forma mais preocupante o risco de colapso de seus sistemas de saúde, com um aumento na demanda por leitos de UTI devido à síndrome respiratória aguda grave junto à demanda rotineira associada a outras questões de saúde. Nestas situações, dificuldades crônicas na infraestrutura da saúde pública e de outros serviços, incluindo a comunicação de medidas educativas para prevenção do contágio, a falta de acesso a água limpa que dificulta a higienização das mãos, e a dificuldade orçamentária para socorrer famílias que não têm condição de ficar em casa para reduzir seu risco de contrair a doença fazem com que a pandemia afete de maneira diferente regiões geográficas desfavorecidas econômica e historicamente, em comparação com regiões com melhores indicadores socioeconômicos.

A publicação aqui resumida, produzida no âmbito da cooperação internacional promovida pela Organização Pan-Americana de Saúde da OMS, uniu esforços de pesquisa em diversos países na região das Américas e do Caribe como o Brasil (incluindo membros da Rede Genômica Fiocruz), Estados Unidos, Jamaica, Chile, Cuba e México para melhor entender as possibilidades de resposta à pandemia na região socioeconomicamente desfavorecida da América Latina e Caribe. O artigo avalia as condições de testagem laboratorial e vigilância, de capacidade de resposta pela infraestrutura de saúde, de acesso a medicamentos e vacinas e de tomadas de decisão pelas instituições políticas em países da região, destacando os principais pontos de atenção e as medidas que deveriam ser tomadas pela comunidade internacional de maneira a fortalecer a capacidade de respostas por estas nações, inclusive para evitar que novos hotspots de circulação do vírus emerjam na região, uma vez que este é um dos cenários nos quais novas variantes de relevância global podem surgir.

Andrus, J. K., Evans-Gilbert, T., Santos, J. I., Guzman, M. G., Rosenthal, P. J., Toscano, C., Valenzuela, M. T., Siqueira, M., Etienne, C., & Breman, J. G. (2020). Perspectives on Battling COVID-19 in Countries of Latin America and the Caribbean.

DOI: 10.4269/ajtmh.20-0571

Variantes do vírus causador da COVID-19 circulando no Brasil são capazes de causar infecções em pessoas que já têm anticorpos para a doença

O primeiro caso de reinfecção pelo novo coronavírus formalmente reconhecido pelo Ministério da Saúde se deu em 9 de dezembro de 2020. Este artigo é fruto do processo de revisão por pares e editoração do texto originalmente postado no fórum de discussão de pesquisas em virologia voltado a especialistas, Virological.Org. O trabalho descreve uma série de informações e achados de pesquisa derivados desta reinfecção, além de trazer conclusões a respeito do significado deste evento para a vigilância e combate da pandemia no Brasil.

O caso acometeu uma profissional da saúde de 37 anos, que atendia pacientes na Paraíba, apesar de residir no Rio Grande do Norte. A paciente teve dois episódios clínicos compatíveis com infecção pelo SARS-CoV-2 separados por 116 dias (início dos sintomas da primeira infecção: 17 de junho; segunda infecção: 11 de outubro) e, após sequenciamento e comparação entre amostras destes dois eventos, constatou-se reinfecção, uma vez que a primeira infecção foi causada por um vírus compatível com a linhagem B.1.1.33 e a segunda por um compatível com a linhagem B.1.1.28. Este segundo agente de infecção apresentava ainda a substituição de aminoácidos na proteína S E484K, associada à capacidade de escape de anticorpos gerados em resposta a infecções e à vacinação contra o SARS-CoV-2. Além de demonstrar a circulação de variantes capazes de causar reinfecção no Brasil, a publicação evidencia também a circulação da linhagem B.1.1.28(E484K) fora do estado do Rio de Janeiro, onde acredita-se — com base em reconstruções — que a linhagem tenha se originado inicialmente.

Resende PC, Bezerra JF, Vasconcelos RHT, Arantes I, Appolinario L, Mendonça AC, et al. Severe acute respiratory syndrome coronavirus 2 P.2 lineage associated with reinfection case, Brazil, June–October 2020

DOI: 10.3201/eid2707.210401

Carta aos editores do periódico Journal of Infection contribui com a compreensão do cenário da VOC Gama (P.1) no Brasil pela comunidade internacional

A segunda onda da pandemia de COVID-19 no Brasil foi especialmente marcada pela circulação e eventual dominância da VOC Gama (chamada inicialmente de P.1). Isolada pela primeira vez em amostras clínicas de um grupo de japoneses que retornavam de uma viagem de trabalho a Manaus, a Gama rapidamente se espalhou pelo estado do Amazonas — tendo sido a principal responsável pela crise sanitária entre o final de 2020 e o início de 2021 — e, posteriormente para outros estados brasileiros, tornando-se também uma das principais variantes de circulação intercontinental.

A carta aos editores aqui resumida compartilha com a comunidade internacional alguns dados sobre a vigilância da P.1 no Brasil, recontando passos prováveis de sua história evolutiva e classificação filogenética, mencionando o surgimento próximo da VOI P.2 e destacando algumas características já observadas de mutações apresentadas pela Gama, que estão associadas, nesta e em outras VOCs a uma maior transmissibilidade e, consequentemente, a um maior risco à saúde coletiva.

Barbosa GR, Moreira LVL, Justo AFO, Perosa AH, de Souza Luna LK, Chaves APC, Bueno MS, Conte DD, Carvalho JMA, Prates J, Dantas PS, Faico-Filho KS, Camargo C, Resende PC, Siqueira MM, Bellei N. Rapid spread and high impact of the variant of concern P.1 in the largest city of Brazil.

DOI: 10.1016/j.jinf.2021.04.008

N9: Identificada pela primeira vez entre 2020 e o início de 2021 uma nova variante do SARS-CoV-2, em amostras de dez estados brasileiros

A pandemia do SARS-CoV-2 no Brasil foi dominada por duas linhagens principais ao longo de 2020 e o princípio de 2021. Dentre estas linhagens, a B.1.1.28 já deu origem a duas importantes variantes que carregam mutações na glicoproteína Spike (proteína S) como a substituição de aminoácidos E484K no domínio de ligação ao receptor (RBD), implicada como um dos principais fatores para o escape da neutralização por anticorpos contra o vírus. Estas linhagens são a variante de interesse P.2 e a variante de preocupação (VOC) Gama. A Gama, provavelmente surgida em dezembro de 2020, se espalhou rapidamente pelo estado do Amazonas e alcançou outras regiões do país, e possui mutações adicionais que parecem conferir à variante uma capacidade aumentada de causar reinfecções, e maiores cargas virais em pacientes.

Este artigo é resultado do processo de revisão independente e editoração da publicação originalmente postada no fórum de discussão de pesquisas em virologia Virological.Org, que descreveu a primeira variante brasileira positiva para a mutação E484K derivada da linhagem B.1.1.33, a outra linhagem dominante no Brasil. A VOI N.9 provavelmente surgiu em agosto de 2020, e sua descoberta a partir de amostras de dez estados (São Paulo, Santa Catarina, Amazonas, Pará, Bahia, Maranhão, Paraíba, Pernambuco, Piauí e Sergipe) coletadas entre novembro de 2020 e fevereiro de 2021 evidencia seu rápido espalhamento pelo território nacional, reflexo de uma dificuldade em garantir o isolamento e distanciamento sociais e conter o fluxo de pessoas entre diferentes regiões brasileiras. Apesar deste espalhamento rápido, a N.9 parece ter uma baixa prevalência, correspondendo a aproximadamente 3% das amostras em escala nacional. Além de carregar a mutação E484K na proteína S, a N.9 possui ainda outras quatro mutações não-sinônimas que definem a linhagem.

Resende PC, Gräf T, Paixão ACD, Appolinario L, Lopes RS, Mendonça ACdF, da Rocha ASB, Motta FC, Neto LGL, Khouri R, de Oliveira CI, Santos-Muccillo P, Bezerra JF, Teixeira DLF, Riediger I, Debur MdC, Ribeiro-Rodrigues R, Leite AB, do Santos CA, Gregianini TS, Fernandes SB, Bernardes AFL, Cavalcanti AC, Miyajima F, Sachhi C, Mattos T, da Costa CF, Delatorre E, Wallau GL, Naveca FG, Bello G, Siqueira MM. A Potential SARS-CoV-2 Variant of Interest (VOI) Harboring Mutation E484K in the Spike Protein Was Identified within Lineage B.1.1.33 Circulating in Brazil.

DOI: 10.3390/v13050724

Artigo com participação de membros da Rede Genômica caracteriza a morfologia e montagem do coronavírus SARS-CoV-2 em cultura de células

Ao estudar um agente etiológico novo, especialmente um ligado a uma pandemia como é o caso do SARS-CoV-2, o conhecimento básico a respeito de estruturas virais e de seu ciclo de infecção nas células é de suma importância para que pesquisas futuras focadas no desenvolvimento de fármacos e estratégias que tenham como alvo estruturas ou o bloqueio de etapas específicas do ciclo viral. Para isso, são desejáveis estudos que demonstrem a replicação do vírus em cultura de células em laboratório, especialmente acompanhada de imagens de estruturas em microscópio e descrições detalhadas dos métodos de cultura e das etapas do ciclo viral observadas. O artigo aqui resumido, publicado com participação de membros da Rede Genômica Fiocruz, traz justamente esta abordagem, identificando possíveis estruturas e etapas que podem ser alvo de terapias futuras para combater a infecção pelo novo coronavírus.

Barreto-Vieira DF, da Silva MAN, Garcia CC, Miranda MD, Matos ADR, Caetano BC, Resende PC, Motta FC, Siqueira MM, Girard-Dias W, Archanjo BS, Barth OM. Morphology and morphogenesis of SARS-CoV-2 in Vero-E6 cells.

DOI: 10.1590/0074-02760200443

Estudo feito por pesquisadores da Rede Genômica Fiocruz reconstrói a história evolutiva da Linhagem B.1.1.33, que se espalhou rapidamente pelo Brasil em 2020

O novo coronavírus SARS-CoV-2 chegou inicialmente ao Brasil em fevereiro de 2020. Semanas depois, a partir da mutação de uma linhagem central, a cepa B.1.1.33 surgia no país. Seu espalhamento fez com que esta se tornasse uma das principais e mais amplamente disseminadas entre pacientes brasileiros pelo menos até fevereiro de 2021. Esta publicação descreve, a partir da análise de 190 genomas completos derivados de amostras clínicas, a história evolutiva e os padrões de disseminação desta cepa. O artigo discute ainda o impacto de medidas sanitárias de controle do espalhamento da doença em refrear o avanço da linhagem, discutindo como a adoção de medidas pouco restritivas em algumas regiões do país, assim como a baixa adesão da população às medidas vigentes, resultou em amplo espalhamento da B.1.1.33. No estado do Rio de Janeiro, a cepa chegou a atingir a prevalência de 80% dos casos, tornando-se a principal força-motriz do contágio comunitário na região. Esta publicação é fruto da expansão do trabalho inicialmente apresentado na forma de postagem no fórum de especialistas em virologia Virological.Org, que também se encontra descrita em nosso site.

Resende, P. C., Delatorre, E., Gräf, T., Mir, D., Motta, F. C., Appolinario, L. R., da Paixão, A., Mendonça, A., Ogrzewalska, M., Caetano, B., Wallau, G. L., Docena, C., Dos Santos, M. C., de Almeida Ferreira, J., Sousa Junior, E. C., da Silva, S. P., Fernandes, S. B., Vianna, L. A., Souza, L., Ferro, J., … Siqueira, M. M. Evolutionary Dynamics and Dissemination Pattern of the SARS-CoV-2 Lineage B.1.1.33 During the Early Pandemic Phase in Brazil.

DOI: 10.3389/fmicb.2020.615280

Publicação traz relato do primeiro caso confirmado de COVID-19 associado à linhagem B.1.1.251 no Brasil

O monitoramento em tempo oportuno tanto do surgimento quanto das introduções de novas variantes do SARS-CoV-2 em diferentes regiões geográficas é importante para compreender não apenas a história evolutiva de linhagens virais e as dinâmicas de espalhamento e dominância de linhagens no cenário epidemiológico, mas também para monitorar a circulação de linhagens que apresentem mutações que podem ter relevância epidemiológica ou clínica. Em outras palavras, monitorar por onde circulam as variantes do SARS-CoV-2 é importante do ponto de vista do conhecimento epidemiológico, mas também para a avaliação de riscos potencialmente associados a estas variantes.

A publicação aqui resumida apresenta o primeiro caso confirmado no Brasil de detecção da linhagem B.1.1.251 em um paciente adulto com quadro leve de COVID-19, apresentando dor de cabeça e coriza. O caso foi detectado no estado do Sergipe em Janeiro de 2021, e chama atenção para a necessidade de uma vigilância genômica continuada para entender as repercussões da chegada da linhagem no cenário epidemiológico brasileiro.

Dos Santos CA, Bezerra GVB, de Azevedo Marinho ARRA, Sena LOC, Alves JC, de Souza MSF, de Oliveira Góes MA, Teixeira DCP, Silva PCR, de Siqueira MAMT, Martins-Filho PR. First Report of SARS-CoV-2 B.1.1.251 lineage in Brazil.

DOI: 10.1093/jtm/taab033

Modelando os primeiros passos da COVID-19: pesquisadores da Rede Genômica Fiocruz reconstroem a possível rota inicial pela qual o vírus cruzou continentes

A pandemia do novo coronavírus SARS-CoV-2 teve uma fase inicial caracterizada pelo espalhamento rápido do vírus através de diversos territórios, mas apontar a época de chegada do vírus em diferentes países é uma tarefa difícil. Nesta publicação, pesquisadores da Rede Genômica propõem um modelo baseado no número de mortes relatado nos estados iniciais da pandemia em 2020 para estimar as datas mais prováveis de chegada do vírus em cada território. O resultado das estimativas aponta para um cenário no qual, ainda entre o meio de janeiro e o meio de fevereiro, o vírus já havia chegado a todos os países analisados no estudo, que utilizou dados de países das Américas e da Europa Ocidental.

Delatorre, E., Mir, D., Gräf, T., & Bello, G. Tracking the onset date of the community spread of SARS-CoV-2 in Western Countries.

Doi: 10.1590/0074-02760200183

Publicação com participação de pesquisadora da Rede Genômica Fiocruz estuda a questão de dores de cabeça pós-COVID-19

O vírus SARS-CoV-2, causador da COVID-19, por ser um patógeno de emergência ainda recente, ainda está tendo seu leque de possíveis sintomas compreendido, incluindo sintomas não-respiratórios acometendo outros tecidos do organismo, seja pela presença do vírus ou por consequências do processo inflamatório a ele associado. O trabalho de pesquisa aqui resumido investigou uma destas apresentação atípicas, através de amostras e exames de 56 pacientes com teste positivo para o SARS-CoV-2, todos apresentando condições neurológicas associadas à COVID-19. Como 13 dos pacientes tiveram dores de cabeça fortes, estes foram encaminhados para a coleta e análise do líquido cefalorraquidiano, para investigar possíveis casos de meningite. As dores de cabeça eram pulsantes e podiam acometer toda a cabeça ou se concentrar nos dois lados. O líquor de todos os pacientes estava normal, e não testou positivo para a presença do SARS-CoV-2 (com RT-qPCR). Onze dos pacientes com dor de cabeça tinham pressão intracraniana superior a 200 mmH20, linha de corte considerada como provável hipertensão intracraniana. Seis destes onze pacientes tinham a pressão acima de 250 mmH20, o que significa que estavam com pressão excessiva no crânio, possívelmente responsável pela dor. Seis dos 13 pacientes com dor tiveram uma melhora completa, enquanto 5 tiveram melhora parcial e dois ficaram com dor de cabeça persistente e diária. Estudos como este são importantes para informar a prática clínica e a população em geral sobre sintomas atípicos que podem estar relacionados à infecção pelo novo coronavírus.

Silva, M., Lima, M. A., Torezani, G., Soares, C. N., Dantas, C., Brandão, C. O., Espíndola, O., Siqueira, M. M., & Araujo, A. Q. (2020). Isolated intracranial hypertension associated with COVID-19.

DOI: 10.1177/0333102420965963

Pesquisa traz evidências iniciais de que gotículas de lipídio são importantes para o ciclo de infecção celular pelo SARS-CoV-2

Uma vez que vírus são parasitas intracelulares obrigatórios que não têm metabolismo próprio, estas entidades biológicas necessitam dos processos e estruturas das células hospedeiras para todas as etapas de sua replicação, montagem de novas partículas virais e a liberação destas partículas para que a infecção progrida no organismo e infecte outros hospedeiros em potencial. Entender como cada estrutura celular é cooptada pelas proteínas virais para desempenhar funções neste ciclo é importante tanto para o conhecimento básico de um novo patógeno quanto por abrir oportunidades para intervenção terapêutica com base neste conhecimento.

O artigo aqui resumido descreve o resultado de experimentos em laboratório com culturas de células infectadas com o SARS-CoV-2, incluindo imagens de microscopia que evidenciam a cooptação de uma classe de estrutura celular pelo vírus, as gotículas de lipídio. Estas gotículas, compostas de moléculas de lipídio (óleos e gorduras, como as presentes nas membranas da célula) são importantes no metabolismo de células saudáveis para uma série de funções, como transportar moléculas de um ponto da célula para o outro, além de estarem implicadas no metabolismo de lipídios, e em alguns dos processos de células do sistema imunológico ativadas em processos inflamatórios. Os achados desta publicação, embora ainda iniciais, indicam que as gotículas lipídicas podem estar implicadas na montagem e transporte das partículas virais, uma vez que tanto proteínas e RNA viral quanto partículas virais montadas foram observadas junto a estas gotículas nas células estudadas.

O artigo também mostra que a inibição de formação destas gotículas, utilizando um fármaco conhecido por inibir uma das enzimas centrais do metabolismo lipídico, inibiu também a replicação do SARS-CoV-2, e diminuiu a produção de moléculas que agem como mediadoras da resposta pró-inflamatória. Estes achados iniciais apontam uma possível direção para intervenção terapêutica futura.

Dias SSG, Soares VC, Ferreira AC, Sacramento CQ, Fintelman-Rodrigues N, Temerozo JR, Teixeira L, Nunes da Silva MA, Barreto E, Mattos M, de Freitas CS, Azevedo-Quintanilha IG, Manso PPA, Miranda MD, Siqueira MM, Hottz ED, Pão CRR, Bou-Habib DC, Barreto-Vieira DF, Bozza FA, Souza TML, Bozza PT. Lipid droplets fuel SARS-CoV-2 replication and production of inflammatory mediators.

DOI: 10.1371/journal.ppat.1009127

Compreendendo a COVID-19 no estado de Minas Gerais

Em face da pandemia de COVID-19 causada pelo novo coronavírus SARS-CoV-2, os sistemas de vigilância epidemiológica e genômica no Brasil têm o desafio de monitorar uma grande população vivendo em um amplo território de variáveis condições de infraestrutura de saúde e socioeconômica. Entender como o vírus circula e estabelecer uma vigilância sólida e homogênea nestas condições é um objetivo a ser alcançado, e uma das maneiras de atingi-lo é através de vigilâncias locais, focadas em entender a dinâmica do vírus em cada estado brasileiro. O trabalho de pesquisa aqui resumido trata da vigilância genômica no estado de Minas Gerais, com foco nos esforços para reconstruir o histórico de introduções do vírus no estado, a partir da análise de 40 genomas completos sequenciados e de dados epidemiológicos em outros estados da federação. O artigo apresenta a conclusão de que o vírus foi introduzido mais de uma vez em Minas Gerais, em momentos diferentes da epidemia no Brasil, além de corroborar achados de outras publicações focadas na introdução e na dinâmica do vírus no Brasil.

Xavier J, Giovanetti M, Adelino T, Fonseca V, Barbosa da Costa AV, Ribeiro AA, Felicio KN, Duarte CG, Ferreira Silva MV, Salgado Á, Lima MT, de Jesus R, Fabri A, Soares Zoboli CF, Souza Santos TG, Iani F, Ciccozzi M, Bispo de Filippis AM, Teixeira de Siqueira MAM, de Abreu AL, de Azevedo V, Ramalho DB, Campelo de Albuquerque CF, de Oliveira T, Holmes EC, Lourenço J, Junior Alcantara LC, Assunção Oliveira MA. The ongoing COVID-19 epidemic in Minas Gerais, Brazil: insights from epidemiological data and SARS-CoV-2 whole genome sequencing.

DOI: 10.1080/22221751.2020.1803146

Primeiro estudo de vigilância genômica de larga escala no estado de Pernambuco revela uma dinâmica da pandemia diferente na região em comparação com o observado em outros estados do Brasil

Embora seja um dos epicentros mundiais da pandemia do novo coronavírus, a amplitude territorial e as diferenças estruturais do Brasil fazem com que a vigilância de epidemiologia genômica não seja homogênea entre estados e regiões do país. Até o momento de publicação deste artigo, em dezembro de 2020, poucos genomas haviam sido sequenciados no estado de Pernambuco, a sexta Unidade Federativa mais afetada do Brasil, um buraco no conhecimento acerca do comportamento da pandemia que os pesquisadores da Rede Genômica Fiocruz se propuseram a cobrir.

A partir do sequenciamento e análise de 101 genomas de SARS-CoV-2 isolados de pacientes sintomáticos no estado, foi possível identificar que, em Pernambuco, o comportamento da pandemia diferiu do observado em estados do Sudeste, como o Rio de Janeiro e São Paulo, nos quais foi verificada a presença de uma linhagem dominante por região, responsável pela maior parte dos casos — fenômeno também relatado por um estudo da Rede Genômica publicado como preprint em fevereiro de 2021 para o estado do Amazonas. Em Pernambuco, diversas linhagens do clado B.1.1 foram encontradas, sugerindo a entrada do vírus no estado em diversos eventos isolados. A detecção de linhagens tanto na capital Recife quanto nas cidades do interior dohttp://www.genomahcov.fiocruz.br/publicacoes/#1610412580689-c8f3c09a-58f5 estado sugerem ainda que a transmissão comunitária entre municípios teve um papel relevante na dinâmica de espalhamento do vírus no estado.

Paiva MHS, Guedes DRD, Docena C, Bezerra MF, Dezordi FZ, Machado LC, Krokovsky L, Helvecio E, da Silva AF, Vasconcelos LRS, Rezende AM, da Silva SJR, Sales KGdS, de Sá BSLF, da Cruz DL, Cavalcanti CE, Neto AdM, da Silva CTA, Mendes RPG, da Silva MAL, Gräf T, Resende PC, Bello G, Barros MdS, do Nascimento WRC, Arcoverde RML, Bezerra LCA, Brandão-Filho SP, Ayres CFJ, Wallau GL. Multiple Introductions Followed by Ongoing Community Spread of SARS-CoV-2 at One of the Largest Metropolitan Areas of Northeast Brazil.

DOI: 10.3390/v12121414

Artigo de revisão reúne resultados sobre a epidemiologia de esgotos e sua importância para monitoramento do SARS-CoV-2

A epidemiologia de esgotos consiste em monitorar efluentes de esgoto sanitário em busca de amostras de patógenos, como uma forma de melhor entender sua circulação em meios urbanos. Especialmente levando em conta que existem evidências de que o coronavírus SARS-CoV-2 é capaz de se replicar no epitélio intestinal, com presença tanto do RNA viral quanto de partículas viáveis em amostras clínicas de fezes, faz sentido pensar na epidemiologia de esgoto como uma abordagem válida para se ganhar informação sobre a circulação do SARS-CoV-2. O artigo aqui resumido, que contou com a colaboração de membros da Rede Genômica Fiocruz, compila a informação disponível na literatura sobre a aplicação da epidemiologia de esgotos para monitorar o SARS-CoV-2.

Aguiar-Oliveira M. L., Campos A, R. Matos A, Rigotto C, Sotero-Martins A, Teixeira PFP, Siqueira MM. Wastewater-Based Epidemiology (WBE) and Viral Detection in Polluted Surface Water: A Valuable Tool for COVID-19 Surveillance—A Brief Review

DOI: 10.3390/ijerph17249251

Possíveis relações entre questões ambientais e climáticas e a transmissibilidade do SARS-CoV-2

A pandemia causada pelo coronavírus SARS-CoV-2 levanta muitas questões de interesse para a comunidade científica, muitas das quais têm também repercussões importantes para a compreensão e contenção do espalhamento viral. Entender, por exemplo, como fatores ambientais e climáticos como temperatura e umidade influenciam diretamente na viabilidade de partículas virais em superfícies ou em efluentes pode ser importante para informar as recomendações à população. Adicionalmente, como estes fatores também podem influenciar na aglomeração de pessoas e nas condições de aeração de ambientes (janelas fechadas e menor tendência a sair de casa em períodos frios vs. atividades ao ar livre durante o calor, por exemplo), também é importante entender como estas variáveis comportamentais influenciadas pelo clima podem influenciar na transmissão do SARS-CoV-2. O artigo de revisão aqui resumido compila os resultados iniciais de artigos de literatura que tentam extrair conclusões a este respeito, trazendo discussões que, idealmente, serão expandidas à medida que novos estudos forem conduzidos.

Rangel, E. F., Afonso, M. M. D. S., Sotero-Martins, A., Campos, A., Coelho, W. N., Gama, E. L., Flores, G. L., Siqueira, M. M. & Aguiar-Oliveira, M. D. L. (2021). Can Climate and Environmental Factors Putatively Increase SARS-Cov2 Transmission Risks?

DOI: 10.34297/AJBSR.2021.11.001647

Estudo de pesquisadores da Rede Genômica Fiocruz revela origens e detalhes do genoma de uma amostra do novo coronavírus vinda da Espanha para o Amazonas

A chegada da pandemia do novo coronavírus ao Brasil se deu nos primeiros meses de 2020, com o primeiro caso sendo relatado em fevereiro na cidade de São Paulo. Novos casos foram sendo detectados em diferentes regiões do país, em Unidades Federativas como Bahia, Brasília e Rio Grande do Sul, com a detecção da doença na região Norte sendo relatada em 13 de março, a partir de uma viajante que retornava da Inglaterra. O presente estudo relata o sequenciamento do genoma do segundo caso detectado no estado do Amazonas, de um homem de 56 anos, assintomático, que retornava de Madri, na Espanha.

Além de apresentar aquele que provavelmente é o primeiro genoma completo do SARS-CoV-2 proveniente da Região Norte do Brasil, o estudo descreve ainda o protocolo desenvolvido para permitir o sequenciamento, além de resultados da análise do genoma em comparação a outras sequências previamente depositadas no banco de dados da iniciativa GISAID. Esta análise permitiu a classificação da amostra na linhagem A.2, a identificação de 9 mutações no genoma, em comparação ao genoma original do SARS-CoV-2 detectado em Wuhan (China) e a análise filogeográfica, que aponta a provável origem da amostra como Europeia.

Nascimento, V. A. D., Corado, A. D. L. G., Nascimento, F. O. D., Costa, Á. K. A. D., Duarte, D. C. G., Luz, S. L. B., … & Naveca, F. G. (2020). Genomic and phylogenetic characterisation of an imported case of SARS-CoV-2 in Amazonas State, Brazil. Memorias do Instituto Oswaldo Cruz, 115.

DOI: 10.1590/0074-02760200310

Artigo descreve o trabalho inicial de vigilância do coronavírus causador da COVID-19 no Brasil

A emergência do novo coronavírus SARS-CoV-2 na China ao final do ano de 2019 fez com que países ao redor do mundo começassem a preparar suas estruturas de vigilância, de forma a detectar precocemente e monitorar o avanço do vírus em seus territórios. O Brasil foi um dos países que começou a monitorar amostras suspeitas para possível detecção do SARS-CoV-2 ainda no princípio de 2020, com alguns laboratórios atuando como focos centrais de sequenciamento. O trabalho de pesquisa aqui resumido traz resultados do monitoramento no Laboratório de Viroses Respiratórias e Sarampo do Instituto Oswaldo Cruz, entre os meses de fevereiro e março de 2020, período no qual o laboratório recebeu amostras de pessoas com infecção respiratória de nove estados brasileiros. Em um total de 707 amostras, 29 (aproximadamente 4 em cada 100 amostras) foram positivas para o SARS-CoV-2, duas das quais também tiveram a presença do genoma de Rinovírus, um dos agentes etiológicos de resfriados comuns. O artigo, além de trazer um importante registro histórico dos primeiros dias do SARS-CoV-2 no país, também é uma importante evidência da necessidade de diagnóstico diferencial específico para casos de doença respiratória para conseguir separar casos de COVID-19 de outras doenças respiratórias associadas a tosse e febre, mas que oferecem menor risco à saúde individual e coletiva.

Matos, A., Motta, F. C., Caetano, B. C., Ogrzewalska, M., Garcia, C. C., Lopes, J., Miranda, M., Livorati, M., Abreu, A., Brown, D., & Siqueira, M. M. (2020). Identification of SARS-CoV-2 and additional respiratory pathogens cases under the investigation of COVID-19 initial phase in a Brazilian reference laboratory.

DOI: 10.1590/0074-02760200232

O que as redes de tratamento de água e esgoto podem contar sobre as epidemias? Estudo com parceria da Rede Genômica Fiocruz mapeia genomas do SARS-CoV-2 em amostras de esgoto de Niterói/RJ

O monitoramento de agentes causadores de doenças nos sistemas públicos de águas residuais, como esgotos domésticos e rejeitos de indústria, pode ser uma ferramenta valiosa no monitoramento epidemiológico. A prática, conhecida como “epidemiologia de esgotos”, tem sido utilizada como uma fonte adicional de informação a respeito do espalhamento de doenças como a COVID-19, especialmente em localidades nas quais há dificuldades logísticas e financeiras para a testagem direta em massa da população. Do ponto de vista da saúde pública, monitorar águas de esgoto pode fornecer respostas rápidas para informar medidas de controle epidêmico. O presente artigo relata os métodos e resultados da aplicação da epidemiologia de esgotos a amostras colhidas em poços de visita de esgotos sanitários e estações de tratamento de esgoto da cidade de Niterói/RJ, totalizando 223 amostras coletadas ao longo de 20 semanas.

A análise das amostras permitiu não apenas detectar a presença do RNA viral, mas também a obtenção de dados quantitativos sobre o número de cópias do vírus presentes nas amostras. A análise de amostras de estações de tratamento trouxe melhores respostas a respeito da evolução das curvas de contágio do vírus, enquanto as amostras de canos foram mais úteis para a implementação e o monitoramento de intervenções locais de saúde pública. O estudo permitiu ainda identificar a linhagem à qual pertenciam as amostras do SARS-CoV-2 encontradas (B.1.1.33) e a construção de mapas semanais de monitoramento de risco, evidenciando o quanto esta abordagem é útil para o combate à atual pandemia em diversas frentes.

Prado T, Fumian TM, Mannarino CF, Resende PC, Motta FC, Eppinghaus ALF, et al. Wastewater-based epidemiology as a useful tool to track SARS-CoV-2 and support public health policies at municipal level in Brazil. Water Res. 2021;191:116810.

DOI: 10.1016/j.watres.2021.116810

Artigo traz resultados preliminares do monitoramento de esgotos para detecção do vírus SARS-CoV-2

A abordagem de epidemiologia de esgotos é utilizada para uma série de finalidades ao redor do mundo. Por se tratar de uma amostragem de patógenos ou mesmo substâncias contaminantes em efluentes de meio urbano, este tipo de investigação pode trazer importantes respostas sobre pontos chave de um determinado município ou região nos quais uma intervenção ou campanha de saúde possa se fazer necessária. Além disso, a detecção de patógenos em diferentes pontos de coleta de uma cidade podem fornecer informação sobre quais áreas concentram mais pessoas submetidas a um maior risco de infecção. Com base nessas possíveis aplicações da epidemiologia de esgotos, e em evidências de que o coronavírus SARS-CoV-2, causador da COVID-19, pode ser isolado a partir de excretas de pessoas infectadas, o artigo aqui resumido aplica esta abordagem em uma tentativa inicial de estabelecer sua validade para monitoramento do vírus. A análise foi feita com base em 12 pontos de amostragem, na cidade de Niterói (RJ), em Abril de 2020, e foi possível encontrar o RNA viral em 5 destas 12 localidades.

Prado T, Fumian TM, Mannarino CF, Maranhão AG, Siqueira MM, Miagostovich MP. Preliminary results of SARS-CoV-2 detection in sewerage system in Niterói municipality, Rio de Janeiro, Brazil.

DOI: 10.1590/0074-02760200196

Publicação detalha criação de uma rede de vigilância genômica do SARS-CoV-2 para a América Latina e Caribe, com participação da Fiocruz

Recontando a importância da vigilância genômica ao longo da pandemia de SARS-CoV-2, da identificação do vírus nas primeiras amostras ao constante monitoramento de variantes circulantes e identificação de mutações de relevância epidemiológica, o artigo defende a existência de um esforço coordenado para atender à América Latina e o Caribe, estabelecendo uma rede colaborativa para vigilância genômica em 20 países das regiões. O artigo destaca ainda o papel coordenador da OPAS/OMS, além dos países e grupos de pesquisa membros da Rede.

Leite JA, Vicari A, Perez E, Siqueira M, Resende P, Motta FC, et al. (2022) Implementation of a COVID-19 Genomic Surveillance Regional Network for Latin America and Caribbean region. PLoS ONE 17(3): e0252526. 

https://doi.org/10.1371/journal.pone.0252526

Estudo de caso de paciente vacinado reinfectado com variante Gama aponta para a importância de esquemas com mais de uma plataforma de vacina

A capacidade que variantes de preocupação (VOC) do SARS-CoV-2 têm de causar infecção mesmo em indivíduos com sistema imune previamente estimulado por variantes anteriores do vírus agrava a atual pandemia, ao permitir que estas VOCs consigam evadir as chamadas “barreiras imunológicas”. Em outras palavras, pessoas que se vacinaram ou tiveram uma infecção pregressa continuam passíveis de infecção e de transmitir a doença — apesar de protegidas pela vacinação de casos graves.

A presente publicação detalha um caso de um profissional de saúde da atenção básica que, um ano depois da primeira infecção pelo vírus (e 67 dias depois da segunda dose da vacina), desenvolveu um segundo caso clínico da doença, causado por uma variante diferente daquela associada ao primeiro episódio de COVID-19 (B.1.1.33 no primeiro caso; VOC Gama no segundo). O artigo descreve o caso, que envolveu sintoma persistente de visão embaçada por 18 dias após o fim de outros sintomas, mesmo após a eliminação do vírus. Adicionalmente, com base na circulação de variantes com novas mutações e nas aparentes características da memória imunológica a longo prazo em pessoas positivadas e vacinadas, a publicação sugere a adoção de um esquema vacinal que combine mais de uma plataforma, de maneira a aumentar a proteção da população, em especial profissionais que estão em exposição constante, como profissionais de saúde da atenção básica.

Penetra, S. L., da Silva, M. F., Resende, P., Pina-Costa, A., Santos, H. F., Guaraldo, L., … & Brasil, P. (2022). Post-acute COVID-19 syndrome after reinfection and vaccine breakthrough by the SARS-CoV-2 Gamma variant in Brazil. International Journal of Infectious Diseases, 114, 58-61.

https://doi.org/10.1016/j.ijid.2021.10.048

Estudo com participação de membros da Rede Genômica Fiocruz desenvolve um modelo para estudo de mecanismos da imunidade contra o SARS-CoV-2

Um dos aspectos relevantes para o desenvolvimento do quadro clínico da COVID-19 é entender como a resposta inflamatória desencadeada pela presença do vírus contribui para o agravamento dos sintomas respiratórios e do estado geral de saúde dos pacientes, com evidências iniciais do envolvimento de mecanismos inflamatórios no desenvolvimento de sintomas neurológicos, por exemplo. Adicionalmente, as febres altas e resposta inflamatória generalizada também podem levar a consequências sistêmicas, não restritas apenas ao epitélio respiratório. Portanto, modelos que permitam estudar como a infecção pelo coronavírus SARS-CoV-2 afeta os mecanismos da resposta imunológica são de suma importância para melhor entender o quadro clínico de casos graves e detectar mecanismos relevantes que podem se tornar alvo para o teste de medicamentos que modulem a resposta imunológica de pacientes para evitar ou manejar casos graves da COVID-19.

O artigo aqui resumido apresenta um modelo desenvolvido em laboratórios da Fiocruz para estudar a resposta imunológica ao novo coronavírus in vitro. O modelo foi testado tanto com a infecção por partículas virais viáveis quanto com a estimulação apenas pela proteína Spike isolada, e envolveu a análise de células do sistema imunológico envolvidas na chamada “resposta celular”, as células mononucleares do sangue periférico (PBMC). Além de estudar os efeitos da infecção ou da proteína Spike no metabolismo destas células — incluindo a caracterização de fatores produzidos por elas em resposta ao vírus, como as chamadas “citocinas pró-inflamatórias” que ativam outras células e mecanismos da inflamação — o estudo também verificou como os produtos desse metabolismo, como as próprias citocinas, afetam células pulmonares, também em cultura de células. Os pesquisadores envolvidos no estudo verificaram que a resposta imunológica de pessoas que já haviam passado por uma infecção e tinham memória imunológica da resposta contra o vírus geraram efeitos diferentes nas células pulmonares, em comparação à resposta obtida com o sangue periférico de doadores que não haviam sido infectados pelo vírus antes do estudo. Adicionalmente, o modelo proposto pode embasar pesquisas futuras focadas no papel da resposta inflamatória no desfecho clínico de infecções pelo SARS-CoV-2.

Melgaço, J.G.; Azamor, T.; Silva, A.M.V.; Linhares, J.H.R.; dos Santos, T.P.; Mendes, Y.S.; de Lima, S.M.B.; Fernandes, C.B.; da Silva, J.; de Souza, A.F.; Tubarão, L.N.; Brito e Cunha, D.; Pereira, T.B.S.; Menezes, C.E.L.; Miranda, M.D.; Matos, A.R.; Caetano, B.C.; Martins, J.S.C.C.; Calvo, T.L.; Rodrigues, N.F.; Sacramento, C.Q.; Siqueira, M.M.; Moraes, M.O.; Missailidis, S.; Neves, P.C.C.; Ano Bom, A.P.D. Two-Step In Vitro Model to Evaluate the Cellular Immune Response to SARS-CoV-2.

DOI: 10.3390/cells10092206

Artigo de pesquisa internacional, com participação de membros da Rede Genômica Fiocruz, demonstra a neutralização da linhagem B.1.617 do novo coronavírus pelo soro de pessoas vacinadas ou convalescentes de infecção anterior pelo SARS-CoV-2

Ao longo da pandemia do novo coronavírus SARS-CoV-2, a comunidade cientifica constatou o surgimento e espalhamento de inúmeras linhagens virais que, devido a pressões evolutivas e ao cenário epidemiológico em que tinham maior sucesso linhagens capazes de escapar da resposta imunológica desenvolvida por pessoas infectadas e/ou vacinadas, carregam mutações associadas a uma evasão da resposta imunológica. Isto se dá pelo fato de que anticorpos e outros mecanismos da resposta imune adaptativa são altamente específicos, e mutações que levem a mudanças nas proteínas reconhecidas pelos anticorpos podem diminuir a eficácia da proteção por estas moléculas do sistema imunológico. Entender o quanto a imunidade gerada em resposta a linhagens mais antigas é capaz de prevenir ou reduzir a gravidade dos sintomas associados à infecção por linhagens que carreguem mutações de preocupação é fundamental para a formulação de novas vacinas, bem como para a tomada de decisão em relação a medidas para conter o espalhamento viral.

O artigo aqui resumido, fruto da cooperação internacional entre grupos de pesquisa de diversas instituições, incluindo a Fiocruz, foca-se em compreender o quanto da proteção pela resposta imune adaptativa se mantém frente à exposição às linhagens B.1.617.1 e B.1.617.2, através dos chamados ensaios de neutralização, nos quais partículas virais ativas são incubadas junto ao soro de pessoas vacinadas ou convalescentes, e posteriormente verifica-se se houve uma redução parcial ou completa na capacidade de infectar células em cultura. Os resultados indicam que, apesar de não exibir um escape completo dos anticorpos — ou seja, algumas regiões da proteína Spike, envolvida na invasão de células pelo vírus, mantiveram sua estrutura conservada o bastante para que anticorpos se ligassem a ela — as linhagens B.1.617 ainda assim tiveram uma neutralização reduzida pelos anticorpos. Isto indica que mesmo pessoas vacinadas ou infectadas com linhagens do princípio da pandemia não estão livres de serem reinfectadas por estas linhagens de variantes, apesar de o escape imunológico não ser tão grande quanto em outras variantes, como a B.1.351 e a VOC Gama (P.1). Estes resultados indicam que novos esquemas vacinais, que tenham em sua composição um leque mais amplo de variantes contendo mutações, podem resultar em uma proteção mais efetiva à população.

Liu C, Ginn HM, Dejnirattisai W, Supasa P, Wang B, Tuekprakhon A, Nutalai R, Zhou D, Mentzer AJ, Zhao Y, Duyvesteyn HME, López-Camacho C, Slon-Campos J, Walter TS, Skelly D, Johnson SA, Ritter TG, Mason C, Costa Clemens SA, Gomes Naveca F, Nascimento V, Nascimento F, Fernandes da Costa C, Resende PC, Pauvolid-Correa A, Siqueira MM, Dold C, Temperton N, Dong T, Pollard AJ, Knight JC, Crook D, Lambe T, Clutterbuck E, Bibi S, Flaxman A, Bittaye M, Belij-Rammerstorfer S, Gilbert SC, Malik T, Carroll MW, Klenerman P, Barnes E, Dunachie SJ, Baillie V, Serafin N, Ditse Z, Da Silva K, Paterson NG, Williams MA, Hall DR, Madhi S, Nunes MC, Goulder P, Fry EE, Mongkolsapaya J, Ren J, Stuart DI, Screaton GR. Reduced neutralization of SARS-CoV-2 B.1.617 by vaccine and convalescent serum.

DOI: 10.1016/j.cell.2021.06.020

Estudo internacional com participação de pesquisadores da Rede Genômica Fiocruz desvenda relação entre algumas mutações do Novo Coronavírus e a capacidade de escapar de anticorpos

Uma das principais preocupações da comunidade científica trazidas pelas novas variantes do SARS-CoV-2 é a possibilidade de que algumas das mutações presentes nas variantes de preocupação (VOCs) B.1.1.7, B.1.351 e P.1 confiram a estas linhagens a capacidade de escapar dos anticorpos gerados em resposta à infecção ou à vacinação. Esta publicação, fruto de cooperação internacional de pesquisa, avaliou os impactos de três alterações de aminoácidos na glicoproteína spike (proteína S), provenientes de mutações características das variantes P.1 e B.1.351 na neutralização por anticorpos do novo coronavírus. Estas três alterações (posições 417, 484 e 501) na estrutura da proteína S afetam a porção da proteína que se liga à ACE2, proteína presente na superfície de células humanas, e apenas uma delas (N501Y) está presente em outra VOC, a B.1.1.7.

Investigar o impacto destas alterações estruturais da proteína na neutralização da capacidade infectiva do vírus por anticorpos traz respostas importantes a respeito da relevância das mutações no chamado “escape imunológico”, uma vez que a ligação entre esta porção da proteína S e o receptor celular ACE2 é a primeira etapa no processo de infecção. O estudo concluiu que as alterações na proteína S da VOC P.1 parecem aumentar a capacidade da proteína em se ligar ao receptor ACE2, e que, por outro lado, reduzem a capacidade neutralizante de anticorpos gerados em resposta a amostras do SARS-CoV-2 sem as mutações. Comparados a uma amostra isolada no princípio da pandemia, as variantes P.1 e B.1.351 tiveram uma diminuição de aproximadamente 3 vezes na neutralização pelo soro de pacientes convalescentes ou vacinados contra o SARS-CoV-2, com os imunizantes da Pfizer-BioNTech e Oxford-AstraZeneca. Com base nesses achados, pode-se considerar que o risco de escape imunológico é real, embora as alterações da proteína S em circulação no momento não impeçam completamente a neutralização da infecção pelos anticorpos. Cabe ainda destacar que algumas vacinas, como a Oxford-AstraZeneca, induzem forte resposta celular e esse mecanismo também teria importante papel na reposta protetora. Ainda assim, a possibilidade de que mutações futuras nestes genes causem um escape ainda maior dos mecanismos da imunidade estimulados por vacinas é um risco que não deve ser ignorado, e medidas para diminuir a circulação do vírus são necessárias para reduzir as possibilidades de surgimento e espalhamento de alterações deste tipo.

Dejnirattisai, W., Zhou, D., Supasa, P., Liu, C., Mentzer, A. J., Ginn, H. M., … & Screaton, G. R. Antibody evasion by the P. 1 strain of SARS-CoV-2.

DOI: 10.1016/j.cell.2021.03.055

Sintomas neurológicos da COVID-19 podem estar associados à inflamação, e não à presença do vírus no sistema nervoso central

A chegada de uma doença viral causada por um agente anteriormente desconhecido, como é o caso da COVID-19 causada pelo novo coronavírus SARS-CoV-2, apresenta uma série de desafios a grupos de pesquisa das mais diversas áreas. Dentre as muitas questões a serem respondidas está a multiplicidade de apresentações que esta nova doença pode ter em pacientes infectados — ou seja: em quais partes e tecidos do organismo este vírus é capaz de se replicar? Quais os efeitos dessa infecção em cada parte do corpo? Como é a linha do tempo da infecção e do aparecimento de sintomas?

O artigo aqui resumido, publicado por pesquisadores da Rede Genômica Fiocruz em colaboração com outros grupos de pesquisa da Fundação Oswaldo Cruz, visa entender melhor o acometimento neurológico enfrentado por alguns pacientes da COVID-19 quanto aos efeitos e detectabilidade do vírus e quanto à linha do tempo da infecção e dos sintomas no Sistema Nervoso Central (SNC).

Segundo os achados do trabalho, quando os sintomas neurológicos começam a se apresentar, o vírus já foi praticamente eliminado do SNC, estando indetectável no líquor dos pacientes mesmo com a aplicação da técnica altamente sensível de RT-PCR. Estes resultados permitem traçar a hipótese de que, ao chegar ao SNC de pacientes, o SARS-CoV-2 é eliminado pelo sistema imunológico em menos de 14 dias — tempo médio de surgimento dos primeiros sintomas neurológicos — sugerindo que quadros como a meningoencefalite, a síndrome de Guillain-Barré e a encefalomielite estariam mais associados, no contexto da COVID-19, com a resposta inflamatória desencadeada em resposta ao vírus.

Espíndola, O. M., Siqueira, M., Soares, C. N., Lima, M., Leite, A., Araujo, A., Brandão, C. O., & Silva, M. (2020). Patients with COVID-19 and neurological manifestations show undetectable SARS-CoV-2 RNA levels in the cerebrospinal fluid.

Doi: 10.1016/j.ijid.2020.05.123

Estudo em fase inicial (pre-print) revela um aumento da circulação de um genótipo do Dengue Vírus 2 recém-introduzido no Brasil

Assim como a maioria dos vírus conhecidos, o Dengue Vírus tem linhagens com diferentes características genéticas que resultam em variantes ligeiramente distintas. Estas diferenças podem resultar em vírus que não são encarados como iguais pelo sistema imunológico, por terem variações nas estruturas reconhecidas por eles — como os chamados “antígenos”, que são as moléculas-alvo de anticorpos. A classificação de vírus com base nesses diferentes perfis envolve a descrição dos chamados “sorotipos”, que têm perfis antigênicos diferentes entre si.

Mesmo dentro de um determinado sorotipo, pequenas diferenças genéticas podem resultar em diferentes níveis de escape imunológico, fenômeno no qual a imunidade adquirida contra um genótipo não protege completamente contra a infecção por outro. Desta forma, vigiar constantemente a circulação e introdução de novos sorototipos e genótipos é importante para informar políticas de prevenção e embasar respostas rápidas quando estas forem necessárias.

O estudo em estágio inicial de publicação (pre-print) aqui resumido traz uma série de dados de vigilância e análises filogenéticas para reconstruir o panorama de introdução e circulação do Dengue Vírus Sorotipo 2 Genótipo II (DENV-2-GII) no território brasileiro, onde o cenário epidemiológico é historicamente dominado pelo Sorotipo 2 Genótipo III (DENV-2-GIII). A primeira amostra do DENV-2-GII detectada no Brasil data de 2021, e até março de 2023 — período de amostragem do estudo — este genótipo já estava circulando em todas as regiões o país. As análises do estudo permitiram a reconstrução da história da linhagem, apontando que ela emergiu no Peru em 2019 e foi introduzida no Brasil pelo menos quatro vezes, independentemente.

O artigo ainda chama atenção para o fato de que a vigilância genômica do Dengue Vírus no Brasil tem uma cobertura muito baixa, o que significa um ponto frágil no conhecimento e nas possibilidades de resposta a um eventual aumento de circulação de um destes genótipos na população. Um fortalecimento da vigilância em escala nacional seria de extrema importância para ter um panorama mais preciso da circulação de variantes e entender como o DENV-2-GII se insere no panorama epidemiológico do país, tendo em vista a circulação e a imunidade prévia da população ao DENV-2-GIII.

GRAF, Tiago et al. Multiple introductions and country-wide spread of DENV-2 genotype II (Cosmopolitan) in Brazil. medRxiv, p. 2023.06. 06.23290889, 2023.

Publicação de pesquisa em estágio inicial (preprint) alerta para potencial risco de uma nova linhagem do Dengue Vírus 3 Sorotipo III no Brasil

A história de vírus transmitidos por mosquitos e sua coexistência com a espécie humana é longa, remontando a tempos remotos. Ao longo das latitudes tropicais, vírus como o da Dengue causam problemas de saúde pública em diversos países, seja pela ampla distribuição geográfica de seus insetos vetores, seja pela adaptação a novas espécies de mosquito. Mais recentemente, têm-se estudado e compreendido melhor os fluxos de introdução de novas linhagens ao longo desta faixa latitudinal, o que é importante para monitorar a circulação e traçar estratégias para o controle de linhagens associadas a um maior risco de surtos locais. Por exemplo, a reintrodução em uma área de uma linhagem viral que não circula localmente por mais de uma década pode trazer um aumento no número e na gravidade de casos, devido à ausência de uma memória imunológica na população residente.

O artigo aqui resumido, atualmente em status de pre-print, alerta para um possível cenário similar no Brasil, a partir do isolamento de amostras pertencentes a uma nova linhagem viral do vírus Dengue 3, sorotipo III, que não circula expressivamente no país desde a década de 2000. A publicação é fruto da cooperação entre várias unidades da Fiocruz, incluindo equipes vinculadas à Rede Genômica, LACEN-RR, LACEN-PR, IEC, FMT-HVD, UFES, Bernhard Nocht Institute for Tropical Medicine, US/CDC, e o Florida Department of Health. Partindo de três amostras isoladas em Roraima e uma quarta introduzida no Paraná, a equipe por trás da pesquisa  conseguiu sequenciar e analisar o genoma, constatando se tratar de uma linhagem filogeneticamente compatível com as que circulam e têm provável origem na Ásia, subcontinente Indiano. Os pesquisadores também chegaram à conclusão de que é improvável que esta linhagem, batizada de DENV-3 GIII-American-II descenda da primeira linhagem introduzida no Brasil e em outros países da América latina nos anos 1990, chamada DENV-3 GIII-American-I, tanto pelo fato de não haver evidências da circulação continuada da DENV-3 GIII-American-I desde a década de 2010 quanto pela proximidade do genoma da nova linhagem com amostras mais recentes oriundas de países da região asiática.

Por se tratar da reintrodução de um sorotipo de Dengue há muito tempo sem circulação no país, o risco à saúde pública deve ser considerado, e a equipe responsável pelo artigo reforça a importância de se intensificar a vigilância, tanto na Região Norte quanto no resto do território brasileiro, para detecção precoce de movimentações da linhagem viral no país, bem como manutenção de um monitoramento contínuo do vírus e de seus impactos à saúde coletiva.

Felipe Gomes NavecaGilberto A SantiagoRodrigo Melo MaitoCátia Alexandra Ribeiro MenesesValdinete Alves do NascimentoVictor Costa de SouzaFernanda Oliveira do NascimentoDejanane SilvaMatilde MejíaLuciana GonçalvesRegina Maria Pinto de FigueiredoAna Cecília Ribeiro CruzBruno Tardelli Diniz NunesMayra Marinho PresibellaNelson Fernando Quallio MarquesIrina Nastassja RiedigerMarcos César Lima de MendonçaFernanda de Bruycker-NogueiraPatricia C SequeiraAna Maria Bispo de FilippisPaola ResendeTulio CamposGabriel Luz WallauTiago GräfEdson DelatorreEdgar KoppAndrea MorrisonJorge L. Muñoz-JordánGonzalo Bello

Estudo em fase inicial (preprint) tenta entender as diferenças no espalhamento das VOCs Delta e Ômicron no Amazonas

Variantes do coronavírus pandêmico SARS-CoV-2, em especial aquelas classificadas como Variantes de Preocupação (VOC), demonstraram um padrão de espalhamento na forma de “ondas” epidêmicas, nas quais uma VOC é substituída pela outra no cenário epidemiológico. Tanto em padrões globais quando localmente, essas substituições de uma variante por outra estão associadas a diferenças no espalhamento e na capacidade de infectar pessoas que já possuem anticorpos contra outras linhagens do vírus, ou seja, o escape imunológico. Entender como estes processos acontecem é importante para avaliar o papel de campanhas de imunização no espalhamento do vírus e na proteção contra casos graves e óbitos. Isto também permite compreender a evolução viral em um cenário composto por hospedeiros com diferentes situações de imunização contra o vírus (não-imunizados, imunidade pós–infecção, imunidade pós-vacina e imunidade híbrida).

Um estudo em fase inicial publicado por pesquisadores da Rede Genômica Fiocruz no repositório de preprints MedRxiv focou-se em investigar características das duas “ondas” sucessivas de espalhamento das VOCs Delta e Ômicron no estado do Amazonas, onde o impacto do SARS-CoV-2 foi alto na população. Com base na análise do genoma de 4.128 amostras do vírus coletadas de pacientes entre Julho de 2021 e Janeiro de 2022, os pesquisadores conseguiram estudar alguns aspectos das dinâmicas de substituição da Delta pela Ômicron no estado.

Apesar de as duas linhagens do coronavírus terem apresentado um cenário semelhante, no que diz respeito a múltiplas introduções em diferentes localidades do estado, elas tiveram dinâmicas de espalhamento muito diferentes, com a estimativa de que a VOC Ômicron se disseminou aproximadamente 3,3 vezes mais rápido do que o Delta. Outra diferença importante é que, enquanto a VOC Delta substituiu a Gama no estado sem causar um aumento significativo no número de casos de COVID-19, a onda da Ômicron trouxe consigo uma grande expansão de novos casos. Apesar disto, a VOC Ômicron teve uma onda de menor duração, e a expansão no número de casos não foi acompanhada do aumento de mortalidade observado nas ondas de VOCs anteriores como a B.1.* e Gama, sugerindo que o cenário de altos níveis de imunidade híbrida — ou seja, pessoas que tiveram produção de mecanismos imunes como anticorpos tanto em resposta a infecções quanto às vacinas — foi capaz de limitar o espalhamento e a gravidade dos casos de COVID-19 associados à Ômicron no estado.

Ighor Arantes, Gonzalo Bello, Valdinete Nascimento, Victor Souza, Arlesson da Silva, Dejanane Silva, Fernanda Nascimento, Matilde Mejía, Maria Júlia Brandão, Luciana Gonçalves, George Silva, Cristiano Fernandes da Costa, Ligia Abdalla, João Hugo Santos, Tatyana Costa Amorim Ramos, Chayada Piantham, Kimihito Ito, Marilda Mendonça Siqueira, Paola Cristina Resende, Gabriel Luz Wallau, Edson Delatorre, Tiago Gräf, Felipe Naveca

medRxiv 2022.09.21.22280193

DOI: https://doi.org/10.1101/2022.09.21.22280193

Estudo preliminar (preprint) avalia a precisão de testes rápidos de antígeno frente à VOC Ômicron

Na atual fase da vigilância e diagnóstico do coronavírus SARS-CoV-2, a utilização de testes rápidos de detecção de antígeno — que se baseiam na presença de proteínas virais em amostras clínicas de orofaringe — tem ganhado cada vez mais espaço na vigilância epidemiológica da COVID-19, diminuindo a pressão sobre os laboratórios que realizam a RT-PCR. Uma preocupação frente a este cenário é a possibilidade de redução da sensibilidade dos testes rápidos frente a novas mutações adquiridas pelo vírus conforme ele evolui.

Uma pesquisa inicial desenvolvida por pesquisadores da Rede Genômica Fiocruz e publicada na forma de pre-print avaliou a sensibilidade do um teste rápido utilizado no SUS frente a variante Ômicron. Para responder essa pergunta, o estudo comparou os resultados de RT-PCR em tempo real com os obtidos pela aplicação do teste rápido DPP® SARS-CoV-2 Antigen test nas amostras de 347 indivíduos que buscaram diagnóstico em um centro de saúde pública no estado de Pernambuco. Os resultados apontam para uma sensibilidade (a capacidade do teste de detectar corretamente a presença do vírus em uma amostra positiva) de 80,5% e especificidade de 99,2% (ou seja, a possibilidade de que um resultado positivo não seja um “falso positivo”).

Além desta verificação de que nem a especificidade e nem a sensibilidade dos testes rápidos foram afetadas de forma significativa pelas mutações presentes na Ômicron, o estudo também avaliou o efeito da carga viral na sensibilidade dos testes. Os resultados mostram, entrentanto, que o teste pode apresentar resultado falso-negativo em situações que a varga viral na amostra é muito baixa. Ainda assim, a conclusão do trabalho é a de que a aplicação de testes rápidos segue como uma importante e confiável ferramenta para diagnóstico mesmo frente às mutações da Ômicron, especialmente em cenários de capacidade limitada de testagem por PCR.

Bezerra, M. F., Silva, L. C. A., Pessoa-e-Silva, R., Lino, G., Dezordi, F. Z., Lima, G. B., … & Paiva, M. H. S. (2022). Real-life evaluation of a rapid antigen test (DPP SARS-CoV-2 Antigen) for COVID-19 diagnosis of primary healthcare patients, in the context of the Omicron-dominant wave in Brazil. medRxiv.

DOI: https://doi.org/10.1101/2022.08.02.22278277

Trabalho científico preliminar (preprint)  traz aprendizados importantes sobre a capacidade de Variantes de Preocupação de infectarem pessoas com anticorpos

(Publicado definitivamente sob o DOI: https://doi.org/10.1038/s41598-023-33443-1)

Um fenômeno que chamou atenção de cientistas estudando a pandemia do novo coronavírus no Brasil foi o rápido espalhamento da variante de preocupação (VOC) Gama entre o final de 2020 e início de 2021, mesmo em regiões do país com altas taxas de infecção prévia. Este fato levou à questão de pesquisa sobre o quanto do espalhamento do vírus se devia a reinfecções — ou seja, à capacidade de algumas variantes do SARS-CoV-2 de escapar dos anticorpos gerados em resposta a infecções anteriores ou à vacinação.

Neste preprint (trabalho científico ainda em estado preliminar, sem revisão independente dos métodos e resultados), pesquisadores da Rede Genômica Fiocruz estudaram a fundo 25 casos de reinfecção confirmadas por RT-PCR — ou seja, com a identificação de um perfil genético do vírus no primeiro evento de infecção e de um segundo perfil, diferente do primeiro, no segundo evento. Antes da reinfecção pela VOC Gama, os pacientes haviam sido infectados por distintas linhagens virais entre março e dezembro de 2020, entre três e doze meses antes da reinfecção. A análise do soro destes pacientes revelou que mais da metade apresentou anticorpos capazes de neutralizar o novo coronavírus, incluindo a própria VOC Gama, após a reinfecção, embora esta resposta imunológica seja apenas parcial — ou seja, os pacientes tiveram o ciclo completo da infecção, sendo capazes de transmitir a doença para outros potenciais hospedeiros.

O trabalho conclui que a reinfecção por variantes de preocupação tem um importante papel na transmissão da COVID-19, já que a habilidade de escapar parcialmente da resposta imunológica de indivíduos já expostos ao vírus significa um maior potencial para que o patógeno continue circulando na população.

Naveca, F. G., Nascimento, V. A., Nascimento, F., Ogrzewalska, M., Pauvolid-Correa, A., Araujo, M. F., Arantes, I., Batista, E. L. R., Magalhães, A. L. A., Vinhal, F., Mattos, T. P., Riediger, I., Debur, M. C., Grinsztejn, B., Veloso, V. G., Brasil, P., Rodrigues, R. R., Rovaris, D. B., Fernandes, S. B., Fernandes, C., Santos, J. H. A., Abdalla, L. G., Costa-Filho, R., Silva, M., Souza, V., Costa, A. A., Mejía, M., Brandão, M. J., Gonçalves, L. F., Silva, G. A., Jesus, M. S., Pessoa, K., Corado, A. L. G., Duarte, D. C. G., Machado, A. B., Zukeram, K. A., Valente, N., Lopes, R. S., Pereira, E. C., Appolinario, L. R., Rocha, A. S., Tort, L. F. L., Sekizuka, T., Itokawa, K., Hashino, M., Kuroda, M., Wallau, G. L., Delatorre, E., Gräf, T., Siqueira, M. M., Bello, G. & Resende, P. C. (2021). A case series of SARS-CoV-2 reinfections caused by the variant of concern Gamma in Brazil. medRxiv. (2021). A case series of SARS-CoV-2 reinfections caused by the variant of concern Gamma in Brazil.

DOI: 10.1101/2021.11.29.21266109

Preprint: Pesquisa da Rede Genômica Fiocruz compreende mecanismos por trás do rápido espalhamento de linhagens derivadas da Variante Gama do Novo Coronavírus

(Publicado definitivamente sob o DOI: 10.1128/spectrum.02366-21)

Após a segunda onda de contágio pelo SARS-CoV-2 no Brasil, marcada pelo surgimento e ampla disseminação da variante Gama (P.1), uma das preocupações da comunidade científica era com possíveis resultados da continuidade do processo evolutivo desta VOC. Mais especificamente, a possibilidade do surgimento de novos mecanismos que tornassem amostras derivadas da Gama mais transmissíveis, infectivas ou mais eficazes no processo de escape da ação de anticorpos neutralizantes reforçaram a importância da vigilância continuada da Gama e variantes derivadas. O presente trabalho, publicado na forma de pre-print (ou seja, sem o processo de revisão independente por outros grupos de pesquisa) é derivado da análise dos genomas de 1188 amostras do SARS-CoV-2, a maioria das quais (99,7%) pertencentes à VOC gama. Houve um aumento expressivo da prevalência das amostras chamadas de “Gama +” — ou seja, aquelas que acumulam mutações adicionais em comparação com as amostras classificadas inicialmente como Gama, como fruto do processo evolutivo com a fixação dessas novas mutações. Uma destas variações da Gama, a chamada Gama+N679K, representa 76,9% das amostras analisadas referentes a Junho-Julho de 2021. O trabalho discute ainda a importância biológica de algumas das mutações encontradas, como as deleções no domínio da proteína S chamado NTD (que dificultam a neutralização pelos anticorpos produzidos pelo organismo em resposta a uma infecção ou vacinação) e mudanças na estrutura de outra região da proteína S, a junção S1/S2, que têm potencial — ainda em estudo pelos pesquisadores — de levar a uma maior infectividade devido a uma afinidade maior com o mecanismo molecular que permite ao vírus fundir seu envelope à membrana das células e iniciar a invasão celular (furina).

Estas amostras derivadas da Gama, denominadas P.1.3, P.1.4, P.1.5 e P.1.6, embora estejam em um processo de expansão que pode torná-las mais prevalentes dentro da linhagem do que a Gama originária, e apesar de possuírem uma aparente maior transmissibilidade, não parecem ser mais eficazes na capacidade de escapar da ação de anticorpos — ou seja, causar reinfecções e/ou infectar pessoas previamente vacinadas. O artigo da Rede Genômica Fiocruz traz ainda o lembrete de que, enquanto o SARS-CoV-2 se espalha na população, um aumento do risco de selecionar novas variantes com maior infectividade é uma possibilidade importante.

Naveca, F. G., Nascimento, V., Souza, V., Corado, A. L., Nascimento, F., Silva, G., Mejía, M., Brandão, M. J., Costa, A., Duarte, D., Pessoa, K., Jesus, M., Gonçalves, L., Fernandes, C., Mattos, T., Abdalla, L., Santos, J. H., Martins, A., Chui, F. M., Val, F. F., Melo, G. C., Xavier, M. S., Sampaio, V. S., Mourão, M. P., Lacerda, M. V., Batista, E. L. R., Magalhães, A. L. A., Dábilla, N., Pereira, L. C. G., Vinhal, F., Miyajima, F., Dias, F. B. S., Santos, E. R., Coêlho, D., Ferraz, M., Lins, R., Wallau, G. L., Delatorre, E., Gräf, T., Siqueira, M. M., Resende, P. C., & Bello, G. (2021). Spread of Gamma (P. 1) sub-lineages carrying Spike mutations close to the furin cleavage site and deletions in the N-terminal domain drives ongoing transmission of SARS-CoV-2 in Amazonas, Brazil.

DOI: 10.1101/2021.09.12.21263453

Preprint: Quais as consequências para a evolução do vírus de co-infecções de duas variantes diferentes ao mesmo tempo?

Em períodos como o da presente pandemia de SARS-CoV-2, em que diversas linhagens e variantes de um mesmo vírus circulam simultaneamente em uma população, a ocorrência de coinfecções é sempre uma preocupação. Definidas como eventos nos quais uma mesma pessoa ou célula encontra-se infectada por duas ou mais amostras virais de perfil genético distinto, as coinfecções podem representar um risco à saúde coletiva caso tornem possíveis eventos de recombinação, ou seja, novos perfis genéticos virais derivados de uma “mescla” entre as linhagens genéticas que infectam o mesmo paciente.

O presente trabalho, desenvolvido por pesquisadores de diversas unidades da Fiocruz vinculados à Rede Genômica e publicado sob a forma de preprint (sem revisão independente por outros pesquisadores), investiga o fenômeno das reinfecções com base em 2.263 amostras de SARS-CoV-2, utilizando métodos de análise com uso de computadores desenvolvidos pela própria Fiocruz. Estes métodos permitiram identificar sinais de alta variabilidade nos dados de sequenciamento do genoma, variabilidade esta associada ao sequenciamento simultâneo de mais de um perfil genético viral.

Dezordi, F. Z., Resende, P. C., Naveca, F. G., Nascimento, V. A., Souza, V. C., Paixão, A. C. D., Appolinario, L., Lopes, R. S., Mendonça, A. C. F., Rocha, A. S. B., Venas, T. M. M., Pereira, E. C., Salvato, R. S., Gregianini, T. S., Martins, L. G., Pereira, F. M., Rovaris, D. B., Fernandes, S. B., Ribeiro-Rodrigues, R., Costa, T. O., Sousa Jr., J. C., Miyajima, F., Delatorre, E., Gräf, T., Bello, G., Siqueira, M. M., Wallau, G. L. (2021). Unusual SARS-CoV-2 intra-host diversity reveals lineages superinfection

DOI: 10.1101/2021.09.18.21263755

Publicação em estágio inicial (pre-print) com participação de membros da Rede Genômica Fiocruz avalia fatores demográficos, socioeconômicos e epidemiológicos envolvidos na incidência e mortalidade da COVID-19 em comunidades de favela na região do Canal do Cunha, no Rio de Janeiro

Compreender os diversos fatores socioeconômicos que influenciam no risco de contágio e na mortalidade pela COVID-19, especialmente em localidades socioeconomicamente desfavorecidas e pouco atendidas por políticas públicas, é de extrema importância para que o poder público atue de forma estratégica na direção de salvar vidas. Levando em conta que muitas famílias em condição de risco socioeconômico também têm risco aumentado de contágio pela doença, devido à impossibilidade de trabalhar em home-office ou de suspender o trabalho sem um auxílio emergencial que cubra os custos de vida reais destas famílias, estudos focados nos efeitos desta maior exposição em variáveis como a incidência e mortalidade são importantes para embasar eventuais medidas políticas que podem salvar vidas.

A publicação aqui resumida, um pre-print (publicação sem revisão por pares, ainda em fase inicial e com conclusões de abrangência limitada), consiste na apresentação de algumas variáveis socioeconômicas, demográficas e epidemiológicas que parecem estar envolvidas com um maior risco em uma série de comunidades de favela ao longo da bacia do Canal do Cunha, no município do Rio de Janeiro. Após criar modelos que comparam o peso de diversas variáveis, como bairro do paciente; proporção dos chamados Aglomerados Subnormais (ASN) por bairro, percentual de pessoas pretas e pardas, faixa etária; razão de renda, e índices de saneamento, os pesquisadores chegaram à conclusão inicial de que os bairros Complexo do Alemão, Mangueira e Maré foram que apresentaram as maiores proporções de casos e óbitos por COVID-19, com uma maior concentração do número de casos nas faixas etárias de 30 a 39 e de 40 a 49 anos (21,5% e 20,1% dos casos respectivamente). Adicionalmente, verificou-se que, apesar da baixa incidência de casos na faixa etária entre 70 e 79 anos, correspondendo a 7,3% dos casos, esta faixa etária concentrou 26,7% dos óbitos registrados no estudo. Por fim, observou-se que pessoas autoidentificadas como pretas ou pardas estão em maior risco de contágio do que aquelas que não estavam nesta classificação étnico-racial. O artigo cita ainda que ocorre uma baixa notificação de casos e de óbitos atribuídas ao COVID-19 em moradores de áreas socioeconomicamente vulneráveis com pouca infraestrutura e suporte do poder público, chamando atenção para a importância de políticas que visem proteger estas populações.

Sotero-Martins, A., Coelho, W. N., Flores, G. L., Gama, E. L., Carvajal, E., Siqueira, M. A. M. T. D., & Aguiar-Oliveira, M. D. L. (2021). Demographic, socioeconomic and epidemiological aspects of COVID-19 in the Cunha Canal Sub-Basin Region, Rio de Janeiro

DOI: 10.1590/SciELOPreprints.2100

Preprint: Variantes de Preocupação do Novo Coronavírus possuem mutações que diminuem a efetividade dos anticorpos, permitindo reinfecções

(Publicado definitivamente sob o DOI: 10.1039/D1CC01747K)

O rápido espalhamento das novas variantes do novo coronavírus SARS-CoV-2, como exemplificado pela alta prevalência da variante P.1 ainda nos dois primeiros meses após seu surgimento, junto a relatos de reinfecção causada por estas variantes, levanta para a ciência a questão de quais seriam os mecanismos por trás deste cenário. É de especial interesse para estas pesquisas o estudo das mutações no genoma das variantes — em particular, no gene da glicoproteína Spike (proteína S), que promove a entrada nas células humanas a partir da interação com a Enzima Conversora de Angiotensina 2 (hACE2), molécula que atua como receptor do vírus. A capacidade de se ligar à hACE2 pode tornar-se maior ou menor de acordo com as alterações na estrutura da proteína S, que variam entre linhagens do SARS-CoV-2 e cada uma de suas variantes. Essas alterações na estrutura da proteína S podem também resultar em uma menor capacidade de anticorpos gerados em resposta a uma infecção — ou, possivelmente, mesmo após a vacinação — de se ligarem à proteína S e neutralizar a capacidade do vírus de causar infecção.

A presente publicação — agora também disponível em sua versão revisada por pares — investiga estes dois possíveis efeitos das mutações da proteína S detectadas em variantes como a P.1, variantes da linhagem B.1.351 e a B.1.1.7: a de uma interação “mais forte” com o receptor hACE2 ou a de uma interação “mais fraca” com os anticorpos anti-proteína-S. No link do ChemRxiv ainda em estágio pre-print, antes da revisão por pesquisadores independentes, o artigo descreve uma série de experimentos feitos com modelagem computacional das moléculas envolvidas (hACE2, anticorpos e as diversas “versões” da proteína S, referentes a cada uma das variantes estudadas).

Com base na simulação computacional da interação entre as moléculas, foi possível verificar que a alteração da estrutura da proteína S não teve efeitos marcantes na interação com o receptor hACE2. Por outro lado, ao simular a interação dos anticorpos gerados em resposta a linhagens iniciais do SARS-CoV-2 com a proteína S das novas variantes, foi possível ver que há uma diminuição na ligação entre as moléculas, um achado que aponta para um potencial de “escape” da resposta imune. Segundo essa hipótese, as novas variantes seriam mais eficazes em fugir da neutralização proporcionada por anticorpos, e este seria um mecanismo mais relevante para explicar seu rápido espalhamento pela população. É importante ressaltar que, baseados em algumas medidas de afinidade entre variações da proteína S e o receptor hACE2, outros grupos de pesquisa previamente sugeriram que o aumento da transmissibilidade estaria relacionado com uma maior afinidade entre a proteína viral e o receptor humano, em contraste com os resultados do presente estudo. Contudo, estes estudos não exploraram a interação das diferentes proteínas S com os anticorpos neutralizantes. O artigo aponta ainda a nova variante denominada P.3 como uma potencial Variante de Preocupação (VOC), tendo em vista que a maioria dos anticorpos analisados no estudo não foram capazes de se ligar eficientemente à proteína S desta linhagem nas simulações realizadas.

Ferraz, M., Moreira, E., Coêlho, D. F., Wallau, G. & Lins, R. SARS-CoV-2 VOCs Immune Evasion from Previously Elicited Neutralizing Antibodies Is Mainly Driven by Lower Cross-Reactivity Due to Spike RBD Electrostatic Surface Changes.

DOI: 10.26434/chemrxiv.14343743

Preprint: Pesquisadores da Rede Genômica Fiocruz criam protocolo para sequenciamento que permite a identificação de algumas alterações-chave no genoma do SARS-CoV-2 a custos menos elevados

(Publicado definitivamente sob o DOI: 10.1016/j.meegid.2021.104910)

Em face da atual pandemia enfrentada pela humanidade, o uso de técnicas de sequenciamento genético de nova geração tem sido uma das principais estratégias para a vigilância epidemiológica do novo coronavírus. O sequenciamento de nova geração tem permitido a rápida identificação de novas variantes do vírus e o agrupamento de amostras em linhagens definidas por características em comum e origem genética compartilhada, além de propiciar a análise de mutações encontradas para a compreensão de suas consequências para a corrida evolutiva que determina inúmeros aspectos da pandemia. Em contrapartida às possibilidades proporcionadas pelo sequenciamento de nova geração, o custo elevado dos equipamentos e insumos necessários para sua realização, a necessidade de pessoal técnico devidamente treinado inviabilizam que regiões mais afastadas e países com menores possibilidades de investimento em pesquisa consigam manter o uso desta técnica em longo prazo. Especialmente quando há necessidade de importação de insumos como reagentes e kits, o risco de períodos de “blecaute” na vigilância epidemiológica é elevado, o que evidencia a importância do desenvolvimento de alternativas de menor custo e maior facilidade de implementação. Técnicas alternativas com essas características garantem maiores possibilidades de sustentar um monitoramento continuado das amostras que circulam em uma determinada localidade, o que é vital para o desenvolvimento de estratégias de enfrentamento.

A presente publicação — neste link em status de pre-print, porém já publicada na revista Infection, Genetics and Evolution após revisão por pares — apresenta uma alternativa baseada no sequenciamento de Sanger de um único fragmento de PCR (725 pares de base), capaz de detectar as principais mutações na glicoproteína Spike (proteína S) e classificar as amostras como pertencentes às principais variantes circulantes no Brasil. Apesar do uso da técnica acarretar em perda de informação quando comparada ao sequenciamento do genoma completo das amostras, ter maneiras confiáveis mais baratas de monitorar as variantes traz uma importante segurança para o monitoramento epidemiológico no Brasil e em outros países com desafios socioeconômicos similares.

Bezerra, M. F., Machado, L. C., De Carvalho, V. D. C. V., Docena, C., Brandão-Filho, S. P., Ayres, C. F. J., … & Wallau, G. L. A Sanger-based approach for scaling up screening of SARS-CoV-2 variants of interest and concern.

DOI: 10.1101/2021.03.20.21253956v1

Três casos de P.1 (Gama) e o que podem nos ensinar sobre reinfecções e sobre o espalhamento da COVID-19

Neste relatório (pre-print), são apresentados três casos de reinfecção causados pela Variante de Preocupação (VOC) P.1, também conhecida como “cepa de Manaus”. As três pacientes eram mulheres adultas, e tiveram a primeira infecção durante a primeira onda da pandemia na primeira metade de 2020. Nos três casos, a linhagem detectada no primeiro diagnóstico molecular era diferente da encontrada posteriormente, evidência da reinfecção. Dois dos casos de reinfecção tiveram apresentação de sintomas leves, enquanto o terceiro foi assintomático, apesar de a quantidade de material genético viral detectado sugerir cargas virais elevadas. As evidências aqui apresentadas sugerem que a imunidade após infecção primária por linhagens anteriores à circulação daquelas contendo a mutação E484K não impede uma nova infecção pela variante P.1, e nem mesmo que pessoas reinfectadas por esta variante espalhem o vírus, embora seja possível que tenha protegido estas três pacientes do desenvolvimento de sintomas graves.

Naveca, F.G., Costa, C., Nascimento, V. et al. Three SARS-CoV-2 reinfection cases by the new Variant of Concern (VOC) P.1/501Y.V3

DOI: 10.21203/rs.3.rs-318392/v1

Preprint de pesquisadores da Rede Genômica Fiocruz  reconstrói as dinâmicas de variantes no estado do Amazonas e o surgimento da Variante Gama

(Publicado definitivamente sob o DOI: 10.1038/s41591-021-01378-7)

Dentre as 27 Unidades Federativas brasileiras, o estado do Amazonas foi uma das mais afetadas pela presente pandemia do novo coronavírus, com a ocorrência de uma segunda onda ao final de 2020 na qual um grande número de casos graves levou a um colapso no sistema de saúde. Este pre-print, resultado da análise do genoma completo de 250 amostras do SARS-CoV-2 coletadas no Amazonas entre março de 2020 e janeiro de 2021, descreve a dinâmica de sucessões de linhagens dominantes no estado. Mais recentemente, ele foi publicado na revista Nature Medicine, após editoração e a revisão por pesquisadores independentes.

A publicação apresenta dados que embasam as hipóteses de que a linhagem responsável pela maioria dos casos no primeiro momento da pandemia (entre março e maio de 2020) foi a B.1.195, de que esta foi suplantada pela B.1.1.28, que tornou-se a linhagem dominante no estado entre maio e dezembro de 2020, e de que em dezembro o surgimento de uma variante da B.1.1.28, denominada P.1 e dotada de maior transmissibilidade, foi responsável pela nova ascensão no número de casos e mortes. Desta forma, a dinâmica local de surgimento de novas genéticas virais foi uma importante força-motriz para a forma com a qual a pandemia avançou sobre o estado do Amazonas, influenciada diretamente pela circulação da população e sua relação com o espalhamento do vírus, que culminou com a substituição da B.1.1.28 pela variante de preocupação P.1 em um processo que acredita-se ter durado apenas dois meses.

Naveca, F.G., Nascimento, V., de Souza, V.C. et al. COVID-19 epidemic in the Brazilian state of Amazonas was driven by long-term persistence of endemic SARS-CoV-2 lineages and the recent emergence of the new variant of concern P.1.

DOI: 10.21203/rs.3.rs-275494/v1

Preprint: Cooperação internacional de pesquisa foca-se em desvendar como se comporta o novo coronavírus na fronteira entre o Brasil e o Uruguai

(Publicado definitivamente sobre o DOI: 10.3389/fmicb.2021.653986)

Apesar de ter conseguido controlar o espalhamento do novo coronavírus — sendo um dos poucos países nas Américas a obter sucesso na contenção da pandemia — a proximidade com o Brasil apresenta um risco ao Uruguai. A alta mobilidade entre as fronteiras aliada à situação do Brasil como um dos piores países do mundo em número de casos e fatalidades são fatores que podem levar a múltiplas introduções do vírus ao Uruguai, além de propiciar a chegada de variantes mais contagiosas ao país.

O presente pre-print relata os resultados da vigilância epidemiológica em cidades uruguaias interioranas na região fronteiriça com o Brasil e a reconstrução dos eventos de disseminação do SARS-CoV-2 no sentido Brasil-Uruguai. Utilizando genomas de 54 amostras do novo coronavírus colhidas em cidades uruguaias e 68 amostras brasileiras do Rio Grande do Sul, grupos de pesquisa de 15 instituições dos dois países conseguiram reconstruir um panorama caracterizado por múltiplas introduções de linhagens brasileiras da B.1.1.28 e da B.1.1.33 em cidades uruguaias fronteiriças. As cepas introduzidas no país provavelmente eram provenientes do estado brasileiro do RS, e começaram a circular localmente nestas cidades em menos de três meses (entre o início de maio, quando provavelmente ocorreram os primeiros eventos, e o meio de julho). Foi possível ainda constatar que as cepas que causaram surtos no Uruguai possuíam entre 4 e 11 alterações genéticas quando comparadas às cepas ancestrais brasileiras B.1.1.28 e B.1.1.33, o que dá suporte à ideia de que o genoma do novo coronavírus parece acumular mutações muito rapidamente em seu espalhamento rápido pela América do Sul.

Além de ser o primeiro estudo com dados de genômica focados nesta região, o estudo também evidencia que surtos causados nesta região interiorana decorreram da introdução de vírus a partir do Brasil, em contraste aos surtos em regiões metropolitanas do ano de 2020, associados a introduções do vírus a partir da Europa.

Mir D, Rego N, Resende PC, Lopez-Tort F, Fernandez-Calero T, Noya V, et al. Recurrent dissemination of SARS-CoV-2 through the Uruguayan-Brazilian border. medRxiv. 2021;1–27.

DOI: 10.1101/2021.01.06.20249026

Trabalho científico preliminar da Rede Genômica Fiocruz discute a prevalência da variante Delta no Amazonas, onde ela substituiu outras variantes como a Gama e a Mu

O princípio do ano de 2021 viu a situação da pandemia de COVID-19 se agravar no Brasil. Em especial, no estado do Amazonas, o avanço da pandemia teve dominância característica da Variante de Preocupação (VOC) Gama, também conhecida como P.1. Mais recentemente, conforme apontado por pesquisas conduzidas pela Rede Genômica Fiocruz (pre-print), variantes derivadas da Gama continuaram a se espalhar e acumular novas mutações — incluindo alterações na Glicoproteína Spike com possível efeito de potencialização do contágio, como deleções no domínio N-Terminal (NTD; associadas à evasão da ação de anticorpos e à capacidade de causar reinfecção ou escape vacinal) ou alterações estruturais na junção S1/S2 (associadas a uma invasão celular mais eficiente). A estas variantes da Linhagem P.1 deu-se o nome de Gama+, e sua transmissão no estado do Amazonas e eventual espalhamento para outros estados foi objeto de preocupação de especialistas e autoridades.

Com a chegada ao Brasil de outra VOC, a Delta (B.1.617.2, inicialmente detectada na Península Índica), paralelamente à preocupação com o estabelecimento e dominância das amostras derivadas da VOC Gama, corria também a hipótese de que o espalhamento e a dominância das mesmas no cenário epidemiológico fosse o bastante para frear o espalhamento da Delta.

No presente post, publicado no fórum de especialistas em virologia Virological.Org, pesquisadores da Rede Genômica Fiocruz relatam os resultados da análise de 1132 genomas completos de SARS-CoV-2 isolados de amostras clínicas de pacientes, coletadas entre 1º de Julho e 15 de Outubro de 2021 — amostragem correspondente a 4,5% dos casos confirmados no estado para o período. A vigilância genômica permitiu observar uma queda abrupta na prevalência de amostras da VOC Gama e Gama+, assim como um aumento na prevalência da VOC Delta, que passou de 1% da totalidade de amostras em Julho para 89% em Outubro. Durante este período, ocorreu também a introdução da VOI Mu (B.1.621, inicialmente detectada na Colômbia) no estado, embora esta tenha permanecido com uma baixa prevalência de acordo com a amostragem da Rede (menos de 1% das amostras entre Agosto e Setembro, e não detectada em Outubro). É importante notar que o espalhamento da VOC Delta ocorreu em um período no qual o número total de casos no Amazonas decresceu, provavelmente devido à combinação das barreiras imunológicas naturais e vacinais (barreira imunológica híbrida).

Ainda assim, os resultados indicam que a VOC Delta teve a capacidade de substituir, por competição ecológica, as variantes Gama, Gama+ e Mu no estado do Amazonas, mesmo levando em conta que esta Unidade Federativa corresponde a uma das localidades do mundo com uma das maiores barreiras imunológicas híbridas.

Naveca, F. G., Nascimento, V., Souza, V., Corado, A. L., Nascimento, F., Mejía, M., Brandão, M. J., Silva, A. V., Benzaken, A. S., Silva, G., Gonçalves, L., Luz, S. L. B., Cortés, J. J. C., Nieto, J. C. G., Vesga, K. N. R., Fernandes, C., Amorim, T., Mattos, T., Abdalla, L., Santos, J. H., Wallau, G. L., Delatorre, E., Arantes, I., Siqueira, M. M., Resende, P. C., Gräf, T. & Bello, G. The SARS-CoV-2 variant Delta displaced the variants Gamma and Gamma plus in Amazonas, Brazil

Disponível em Virological.Org

Pesquisa em estágio inicial da Rede Genômica Fiocruz investiga o surgimento e a evolução da linhagem P.1 (Gama)

A partir do final de 2020, diversos países do mundo relataram a detecção de variantes do SARS-CoV-2 contendo mutações preocupantes no gene da proteína S. Muitas destas variantes, como a B.1.1.7 no Reino Unido e a B.1.351 na África do Sul se espalharam muito rapidamente, inclusive chegando a outros países ainda no princípio de 2021, tendo sido classificadas como Variantes de Preocupação (VOC). A primeira VOC brasileira, a P.1, foi identificada no estado do Amazonas e também teve um espalhamento rápido pelo território brasileiro e fora dele — tendo sido os primeiros casos relatados em pacientes que retornavam do Brasil para o Japão. Uma das hipóteses sobre o surgimento das VOCs defende que as mutações foram se acumulando em indivíduos com infecções prolongadas por SARS-CoV-2, talvez em pacientes com o sistema imunológico enfraquecido. Alternativamente, o processo de surgimento das VOCs pode ter sido gradual, ocorrendo à medida que o vírus circulava na comunidade.

Esta publicação no fórum Virological.Org — voltado ao compartilhamento de dados entre pesquisadores da área de virologia — relata o estudo e a comparação do genoma de amostras P.1 e de duas variantes geneticamente relacionadas a esta VOC (chamadas de P.1-like-I e P.1-like-II), propondo uma nova história evolutiva para a P.1 e hipóteses sobre seu surgimento. Com base na presença de mutações compartilhadas entre amostras P.1 e P.1-like, a publicação aponta para uma história gradual de acúmulo de mutações na P.1, mais compatível com seu surgimento aos poucos. Neste processo, a evolução gradual da linhagem B.1.1.28 circulando no Amazonas, foi acumulando mutações que garantiram sucesso ao vírus e sua circulação na população com imunidade parcial. O cenário de descontrole da transmissão, portanto, é um fator importante para o surgimento de variantes com um arsenal de mutações, que podem conferir a estas linhagens uma maior transmissibilidade ou a capacidade de causar infecções mesmo em pacientes com anticorpos contra o novo coronavírus.

Gräf, T., Bello, G., Venas, T. M. M. et al. Identification of SARS-CoV-2 P.1-related lineages in Brazil provides new insights about the mechanisms of emergence of Variants of Concern

Disponível em Virological.Org

Estudo preliminar da Rede Genômica descreve a identificação e algumas características do genoma da variante N.10

Desde a chegada do novo coronavírus ao Brasil até abril de 2021, foram identificadas pelo menos três ocasiões nas quais as linhagens que circulam no país deram origem, pelo acúmulo de mutações, a variantes de alta relevância epidemiológica. Destas, uma foi classificada como variante de preocupação (VOC) e denominada P.1 segundo o sistema de nomenclatura PANGO, enquanto outras duas (denominadas P.2 e N.9) foram classificadas como variantes de interesse (VOI). As três variantes possuem a mutação E484K no domínio de ligação ao receptor (RBD) da glicoproteína Spike (proteína S), que propicia a ligação das partículas virais às células humanas, uma mutação aparentemente importante para o escape de anticorpos e consequentemente reinfecção de indivíduos que já se infectaram com outras linhagens do coronavirus. A variante possui esta modificação e um conjunto de outras mutações importantes que aumentam ainda mais a capacidade da linhagem de escapar dos anticorpos gerados após infecção natural ou vacinação.

A presente publicação (no fórum de discussão de pesquisas em virologia Virological.org, ainda sem revisão por outros grupos de pesquisa) descreve a identificação de uma terceira VOI, a N.10. Derivada da linhagem B.1.1.33 — a mesma que deu origem à N.9 — a N.10 foi identificada em amostras provenientes do estado do Maranhão e, além da mutação E484K, possui outra mutação no RBD da proteína S, além de diversas alterações e deleções de aminoácidos em outra porção da proteína, denominada domínio N-terminal (ou NTD). Mutações na NTD já foram associadas a um aumento na capacidade de linhagens como a P.1 de escapar da resposta imunológica mediada por anticorpos, o que torna esta variante, presente em 23% das amostras de Janeiro de 2021 provenientes do Maranhão analisadas, um possível motivo de alerta para o futuro próximo, especialmente se for observado um aumento significativo na sua prevalência.

Resende, P. C., Gräf, T., Lima Neto, L. G. et al. Identification of a new B.1.1.33 SARS-CoV-2 Variant of Interest (VOI) circulating in Brazil with mutation E484K and multiple deletions in the amino (N)-terminal domain of the Spike protein

Disponível em Virological.Org

Trabalho inicial de cientistas da Rede Genômica Fiocruz foca-se no papel de mutações na glicoproteína Spike (S) do novo coronavírus em sua evolução e espalhamento

A glicoproteína Spike do novo coronavírus SARS-CoV-2, também chamada de proteína S, está envolvida na ligação e invasão de células humanas, através da interação de uma porção denominada RBD (Domínio de Ligação ao Receptor) com uma proteína presente em alguns tipos de células humanas, chamada ACE2 (Enzima Conversora de Angiotensina 2). Anticorpos produzidos naturalmente após a infecção pelo SARS-CoV-2 capazes de se ligar a trechos da proteína S, com destaque para o domínio RBD e NTD (Domínio N-terminal), têm o potencial de neutralizar a capacidade do vírus de iniciar a infecção. Desta forma, mutações nos genes para a proteína S podem conferir a capacidade de escapar da resposta imune mediada por anticorpos, favorecendo cepas que carreguem essas mutações frente à pressão evolutiva apresentada pela imunidade na população.

A presente publicação (postada no fórum de discussão de pesquisas em virologia Virological.org) aborda, com base em 11 amostras, como linhagens que apresentam mutações convergentes no domínio RBD (presentes na VOC P.1 e nas VOIs P.2 e N.9) conseguem escapar à ação de anticorpos policlonais e causar reinfecções na presença de outras mutações na proteína S. Uma série de inserções e deleções de aminoácidos em outro domínio da proteína S, denominado NTD (encontradas principalmente em amostras da variante P.1 e, em menor escala, em amostras não P.1 e P.2 da linhagem B.1.1.28, além de uma amostra P.2), parece ter ação sinérgica às alterações no RBD, no que diz respeito à habilidade de causar reinfecção mesmo na presença de anticorpos neutralizantes gerados em resposta à proteína S das linhagens que não possuem estas mutações. Além de explicar os mecanismos desse escape imune, a publicação discute o quanto a ampla disseminação do novo Coronavírus no Brasil tem possibilitado o surgimento de linhagens com mutações que conferem a elas vantagens adaptativas, como as mudanças na proteína S.

Resende, P. C., Naveca, F. G., Lins, R. D. et al. The ongoing evolution of variants of concern and interest of SARS-CoV-2 in Brazil revealed by convergent indels in the amino (N)-terminal domain of the Spike protein

Disponível em Virological.Org

(Versão inicial) N9: Identificada pela primeira vez entre 2020 e o início de 2021 uma nova variante do SARS-CoV-2, em amostras de dez estados brasileiros

(Publicado definitivamente sob o DOI: 10.3390/v13050724)

A pandemia do SARS-CoV-2 no Brasil foi dominada por duas linhagens principais ao longo de 2020 e o princípio de 2021. Dentre estas linhagens, a B.1.1.28 já deu origem a duas importantes variantes que carregam mutações na glicoproteína Spike (proteína S) como a substituição de aminoácidos E484K no domínio de ligação ao receptor (RBD), implicada como um dos principais fatores para o escape da neutralização por anticorpos contra o vírus. Estas linhagens são a variante de interesse (VOI) P.2 e a variante de preocupação (VOC) P.1. A P.1, provavelmente surgida em dezembro de 2020, se espalhou rapidamente pelo estado do Amazonas e alcançou outras regiões do país, e possui mutações adicionais que parecem conferir à variante uma capacidade aumentada de causar reinfecções, e maiores cargas virais em pacientes.

Esta publicação no fórum de discussão de pesquisas em virologia Virological.Org descreve a primeira variante brasileira positiva para a mutação E484K derivada da linhagem B.1.1.33, a outra linhagem dominante no Brasil. A VOI N.9 provavelmente surgiu em agosto de 2020, e sua descoberta a partir de amostras de dez estados (São Paulo, Santa Catarina, Amazonas, Pará, Bahia, Maranhão, Paraíba, Pernambuco, Piauí e Sergipe) coletadas entre novembro de 2020 e fevereiro de 2021 evidencia seu rápido espalhamento pelo território nacional, reflexo de uma dificuldade em garantir o isolamento e distanciamento sociais e conter o fluxo de pessoas entre diferentes regiões brasileiras. Apesar deste espalhamento rápido, a N.9 parece ter uma baixa prevalência, correspondendo a aproximadamente 3% das amostras em escala nacional. Além de carregar a mutação E484K na proteína S, a N.9 possui ainda outras quatro mutações não-sinônimas que definem a linhagem.

Resende, P. C., Gräf, T., Paixão, A. C. D. et al. A potential SARS-CoV-2 variant of interest (VOI) harboring mutation E484K in the Spike protein was identified within lineage B.1.1.33 circulating in Brazil

Disponível em Virological.Org

Preliminar: Rede Genômica Fiocruz descreve um caso de reinfecção pela VOC P.1 (Gama) no Amazonas, e análises derivadas do estudo do genoma desta variante

O surgimento, em dezembro de 2020, da Variante de Preocupação (VOC) P.1 no estado do Amazonas trouxe uma série de preocupações e perguntas de pesquisa relevantes, no que diz respeito a entender o papel das alterações na proteína P.1 — e em outras características do vírus — em sua maior transmissibilidade, assim como a possibilidade de que esse conjunto de mutações conferisse à amostra a capacidade de escapar da resposta imune adquirida após uma infecção ou vacinação, permitindo reinfecções. Nesta postagem no fórum científico de discussões sobre virologia, Virological.org, é apresentado o primeiro caso confirmado de reinfecção causada pela VOC P.1, além de apresentados dados preliminares de análises do genoma de amostras da linhagem P.1 provenientes da paciente reinfectada e de outros diversos pacientes. Estas análises apontam para 21 mutações definidoras de linhagem características da P.1, incluindo 11 alterações de aminoácidos na glicoproteína Spike (proteína S), responsável pela etapa inicial da infecção, em relação à linhagem B.1 que acometera a paciente meses antes da reinfecção. Possivelmente algumas das 11 alterações características da P.1 estão envolvidas na capacidade desta linhagem de reinfectar pacientes que já estariam imunes à doença após um primeiro evento de infecção.

Naveca, F. G., Costa, C., Nascimento, V. et al. SARS-CoV-2 reinfection by the new Variant of Concern (VOC) P.1 in Amazonas, Brazil

Disponível em Virological.Org

Trabalho inicial de pesquisa conduzido por membros da Rede Genômica Fiocruz explora o genoma de 69 amostras do Amazonas, e descreve o surgimento da P.1 (Gama) no estado

Compreender as relações filogenéticas entre diferentes amostras de um vírus durante um evento epidêmico é importante não apenas para compreender a evolução do vírus em termos moleculares, mas também para compreender como diferentes mutações convergentes podem surgir independentemente. Nesta postagem no fórum de discussão de pesquisas em virologia Virological.org, a análise de 69 amostras do SARS-CoV-2 coletadas no estado do Amazonas demonstram a circulação de duas linhagens no estado, circulando amplamente até novembro de 2020, e não apresentando mutações de interesse nos genes da proteína S, bem como o surgimento local de uma variante da cepa B.1.1.28 — posteriormente denominada P.1 — detectada em viajantes do Japão que provavelmente a contraíram em uma visita a Manaus em dezembro de 2020. Esta variante contém uma série de alterações na proteína S, que a elegeram como uma variante de preocupação (VOC), e tornou-se dominante no estado em um curto intervalo de tempo. A análise dos genomas, e sua comparação com amostras provenientes de outras regiões do Brasil, permite inferir que o processo que resultou na variante Amazônica não é o mesmo que deu origem à linhagem detectada no Rio de Janeiro, apesar de algumas mutações em comum entre as duas, provavelmente fruto de convergência evolutiva.

Naveca, F. G., Nascimento, V., Souza, V. et al. Phylogenetic relationship of SARS-CoV-2 sequences from Amazonas with emerging Brazilian variants harboring mutations E484K and N501Y in the Spike protein

Disponível em Virological.Org

(Versão Inicial) Variantes do vírus causador da COVID-19 circulando no Brasil são capazes de causar infecções em pessoas que já têm anticorpos para a doença

(Publicado definitivamente sob o DOI: 10.3201/eid2707.210401)

O primeiro caso de reinfecção pelo novo coronavírus formalmente reconhecido pelo Ministério da Saúde se deu em 9 de dezembro de 2020. A presente publicação no fórum de discussão de pesquisas em virologia voltado a especialistas, Virological.Org, descreve uma série de informações e achados de pesquisa derivados desta reinfecção, além de trazer conclusões a respeito do significado deste evento para a vigilância e combate da pandemia no Brasil.

O caso acometeu uma profissional da saúde de 37 anos, que atendia pacientes na Paraíba, apesar de residir no Rio Grande do Norte. A paciente teve dois episódios clínicos compatíveis com infecção pelo SARS-CoV-2 separados por 116 dias (início dos sintomas da primeira infecção: 17 de junho; segunda infecção: 11 de outubro) e, após sequenciamento e comparação entre amostras destes dois eventos, constatou-se reinfecção, uma vez que a primeira infecção foi causada por um vírus compatível com a linhagem B.1.1.33 e a segunda por um compatível com a linhagem B.1.1.28. Este segundo agente de infecção apresentava ainda a substituição de aminoácidos na proteína S E484K, associada à capacidade de escape de anticorpos gerados em resposta a infecções e à vacinação contra o SARS-CoV-2. Além de demonstrar a circulação de variantes capazes de causar reinfecção no Brasil, a publicação evidencia também a circulação da linhagem B.1.1.28(E484K) fora do estado do Rio de Janeiro, onde acredita-se — com base em reconstruções — que a linhagem tenha se originado inicialmente.

Resende, P. C., Bezerra, J. F., Vasconcelos, R. H. T. et al. Spike E484K mutation in the first SARS-CoV-2 reinfection case confirmed in Brazil, 2020

Disponível em Virological.Org

Pesquisa em estado preliminar da Rede Genômica busca entender as relações entre amostras do Novo Coronavírus em 6 estados brasileiros e traçar o histórico de introduções do vírus no país

Esta publicação, postada no fórum de especialistas em virologia Virological.Org, é fruto da análise da sequência de 81 genomas completos do SARS-CoV-2 derivadas de amostras coletadas em 6 unidades federativas brasileiras entre fevereiro e abril de 2020. Através de ferramentas de análise filogenética, e da comparação com amostras obtidas em outros países ao redor do mundo, foi possível ao grupo de pesquisa traçar o histórico de introduções do vírus em território brasileiro, bem como evidenciar e entender aspectos de sua transmissão comunitária no país. Os resultados do estudo sugerem que o novo coronavírus foi introduzido no Brasil a partir da Europa por volta do dia 4 de fevereiro, e que em aproximadamente 23 de fevereiro já havia se ramificado em uma nova linhagem, denominada provisoriamente B.1.1.BR. Os indícios apontam ainda que, mesmo antes da detecção do primeiro caso importado do SARS-CoV-2 no país, esta linhagem brasileira já circulava na população através da transmissão comunitária (quando não é mais possível identificar a cadeia de transmissão da doença, devido a seu amplo espalhamento na comunidade).

Resende, P. C., Delatorre, E., Gräf, T. et al. Genomic surveillance of SARS-CoV-2 reveals community transmission of a major lineage during the early pandemic phase in Brazil

Disponível em Virological.Org