Publicado no periódico Scientific Reports, artigo da Rede Genômica Fiocruz explora características da reinfecção pela VOC Gama
Um fenômeno que chamou atenção de cientistas estudando a pandemia do novo coronavírus no Brasil foi o rápido espalhamento da variante de preocupação (VOC) Gama entre o final de 2020 e início de 2021, mesmo em regiões do país com altas taxas de infecção prévia. Este fato levou à questão de pesquisa sobre o quanto do espalhamento do vírus se devia a reinfecções — ou seja, à capacidade de algumas variantes do SARS-CoV-2 de escapar dos anticorpos gerados em resposta a infecções anteriores ou à vacinação.
Neste artigo, resultado da expansão e revisão por pares do trabalho inicialmente publicado como preprint (trabalho científico ainda em estado preliminar, sem revisão independente dos métodos e resultados), pesquisadores da Rede Genômica Fiocruz estudaram a fundo 25 casos de reinfecção confirmadas por RT-PCR — ou seja, com a identificação de um perfil genético do vírus no primeiro evento de infecção e de um segundo perfil, diferente do primeiro, no segundo evento. Antes da reinfecção pela VOC Gama, os pacientes haviam sido infectados por distintas linhagens virais entre março e dezembro de 2020, entre três e doze meses antes da reinfecção. A análise do soro destes pacientes revelou que mais da metade apresentou anticorpos capazes de neutralizar o novo coronavírus, incluindo a própria VOC Gama, após a reinfecção, embora esta resposta imunológica seja apenas parcial — ou seja, os pacientes tiveram o ciclo completo da infecção, sendo capazes de transmitir a doença para outros potenciais hospedeiros.
Outro aspecto avaliado na publicação completa é a diversidade intra-hospedeiro, ou seja, a proporção de genomas em cada amostra que apresentavam mutações pontuais. Isto porque uma questão de pesquisa importante é a possibilidade de pacientes reinfectados, devido à presença de anticorpos previamente gerados em resposta às primeiras infecções, atuarem como fatores de seleção de vírus com padrões complexos de mutação, com alterações estruturais em proteínas-chave como a Spike que levem à fuga dos anticorpos do próprio paciente. Os resultados mostraram que, nos casos avaliados, não foi encontrada uma diversidade maior de mutantes na reinfecção pela Gama, quando comparada à primeira infecção dos mesmos pacientes, o que não corrobora a ideia de reinfecções como focos de surgimento de potenciais novas variantes.
O trabalho conclui que a reinfecção por variantes de preocupação tem um importante papel na transmissão da COVID-19, já que a habilidade de escapar parcialmente da resposta imunológica de indivíduos já expostos ao vírus significa um maior potencial para que o patógeno continue circulando na população. Os voluntários participantes do estudo tiveram sintomas leves ou mesmo casos assintomáticos associados à reinfecção com a Gama, mas o trato respiratório superior tinha quantidades expressivas de RNA viral, sugerindo que, mesmo em reinfecções de sintomatologia mais leve, a capacidade de espalhar a doença se mantém.
Naveca, F.G., Nascimento, V.A., Nascimento, F. et al. SARS-CoV-2 intra-host diversity, antibody response, and disease severity after reinfection by the variant of concern Gamma in Brazil. Sci Rep 13, 7306 (2023).